domingo, 2 de novembro de 2008

Wish You Were Here

Pink Floyd

Wish You Were Here (Roger Waters e David Gilmour)


So, so you think you can tell
Heaven from Hell,
Blue skies from pain.
Can you tell a green field
From a cold steel rail?
A smile from a veil?
Do you think you can tell?

And did they get you to trade
Your heroes for ghosts?
Hot ashes for trees?
Hot air for a cool breeze?
Cold comfort for change?
And did you exchange
A walk on part in the war
For a lead role in a cage?

How I wish, how I wish you were here.
We're just two lost souls
Swimming in a fish bowl,
Year after year,
Running over the same old ground.
What have we found?
The same old fears.
Wish you were here.


Encontramos os mesmos velhos medos, ano após ano, caminhando nesse mundo que faz com que troquemos o que somos pelo que ele espera de nós. E o mundo só espera de nós que nos encaixemos em seu discurso hegemônico, definindo o que é normal e o que não é. Ele apenas nos diz o que devamos ser, sem nos perguntar nem o que somos nem o que queremos ser.

Mas nós temos capacidade de distinguir aquilo que se nos apresenta como percepção nossa e aquilo que já vem cheio de dever-ser do mundo, do sistema, da tradição e dos costumes? Temos a capacidade de distinguir o frio conforto da mudança? Ou meras brasas, cinzas de algo que já não é mais, de uma árvore em sua plenitude existencial?

Fizeram-nos trocar nossos heróis por fantasmas? Nossas esperanças por medos? Nosso ímpeto pelo conforto? E agora não distinguimos mais nada. Somos nada; niilistas vagando por um mundo cuja racionalidade chega ao último “por que” nos dizendo que as coisas não fazem o menor sentido e não vão a lugar algum.

Forçaram-nos a usar a racionalidade como ferramenta de distinção das coisas. E logo, a racionalidade se transformou de meio; mera ferramenta, para fim; objetivo final de todo o conhecimento. Mas a racionalidade nos leva necessariamente ao niilismo, à nadificação de nossa humanidade, ainda mais quando ela se pretende neutra, sem reduzir-se à sedução de confirmarmos redundantemente nossas próprias crenças. Quando pensamos que ela nos liberta, ela nos prende ao vazio; e optamos por uma liderança na cela ao invés do caminhar livre em meio ao devir.

Ahh Nietzsche, quão lúcido foi em sua loucura sapiente? A razão é a própria causa do niilismo, da nadificação dos sentidos. E isso não é um mal per si, até por que nos permite construir tudo em novas bases; nossas, adaptativas, preocupadas com a própria qualidade da vida humana.

Nossos estados psicológicos, necessários à nossa sanidade (por isso talvez Nietzsche tenha ficado louco) engendram de forma precisa, cirúrgica, o que precisamos acreditar para nos conferir segurança. O fato é que não queremos responsabilidade pelo vir-a-ser. Queremos fugir da responsabilidade de nos tornarmos, por conta própria, sempre algo diverso do que éramos há algum tempo atrás. Isso não nos conforta, mas sim nos atordoa, e precisamos encontrar uma identidade; algo em nós que nos estabiliza e estabiliza o que está em nossa volta.

E quais critérios temos para dizer que alguém é louco? É o critério daquilo que exclui o diferente ou o que não aceita a pasteurização do discurso dominante; da episteme vigente, já nos dizia Foucault.
Para não sermos esse louco, delirante, num mundo à parte daquele que querem que engulamos, nossa racionalidade corre para nos salvar. Seu primeiro passo é criar categorias racionais como pressupostos de interpretação da realidade. Nietzsche classifica essas categorias em três, através de seu fragmento póstumo 11, intitulado Crítica ao Niilismo:

1. Para suportar sua existência, o homem precisa interpretar o vir-a-ser dotado de sentido e/ou finalidade;
2. Como suporte de uma interpretação global do vir-a-ser, esse homem precisa supor esse sentido e/ou finalidade com origem única; numa totalidade, num SER que conectaria num sentido finalístico toda multiplicidade caótica aparente de seres individuais, efêmeros e contingentes.
3. E, por fim, absolutizando essa origem que daria finalidade a tudo, ele chega a negar o devir, repudia-o como mera aparência, não-Ser, falso, contraposto ao verdadeiro, ao SER que não muda e é sempre o mesmo em si.

Eis a noção psicológica humana que dá estatuto de verdade às coisas que nos cercam; ao mundo. A invenção psicológica desse mundo confere a perspectiva de uma verdade a ser alcançada, e conforta. Mas ao mesmo tempo em que alivia as tensões da eterna mudança sentida desde dentro de nós e em tudo que está fora, também serve de instrumento de dominação, poder e submissão daqueles que detém o discurso hegemônico. Logo, quando construímos psicologicamente essas noções, também somos obrigados a nos submeter a quem tem a versão oficial dessas noções. E somos controlados através dos roteiros prontos que nos servem desde o nascimento, providos por quem domina e preserva a episteme vigente.

E para nós, quando esgotados de uma racionalidade que não se satisfaz até a regressão exaustiva dos “por quês”, e percebemos que não é possível antever esse fundamento finalístico no devir, nem tampouco identificar essa unidade organizadora, além de sentirmos na carne a realidade do que muda sempre; o mundo cai em ruína e o que nos resta é o niilismo... Eis o segundo passo da racionalidade.

Inauguramos então, psicologicamente, o único fundamento perceptível que talvez não seja mera construção para conforto e equilíbrio: o nada, o vazio, a dança sem coreografia que baila na superfície das coisas, em suas aparências, em suas movimentações. Assumimos o ritmo do mundo, desprezamos os sentidos fabricados e apenas vagamos, sem sentido, sem rumo e sem meta. É essa a alternativa mais sedutora para alguém que se vê destituído do Tudo fabricado e imerso no Nada constatado. Isto é, não temos força para aceitarmos o sentido que nos é dado, mas nos submetemos ao nada dos roteiros vazios; só para ficarmos bem na fita, só para não sermos julgados. Sem causas, repletos de vazio, expargindo inércia, o olhar alheio passa a ser nosso pior algoz, pois temos medo de sermos descobertos nadificados. No entanto não conseguimos fingir tão bem que o mundo o qual vivemos não tem o menor sentido para nós... Resultado? Angústia, náusea, fuga, mesmice, o morno, o cinza... E o vazio então, torna-se um refúgio; outro tipo de conforto: do apartamento de nós mesmos.

Emaranhados em nosso nada interno e no devir constante do multiverso do mundo, vamos nós, sem conseguir distinguir mais nada, tudo pasteurizado, tudo padronizado, tudo sempre mais do mesmo. Não há sonho, não há causa, não há pelo que lutar, nem por nós mesmos: entregues e vazios...

É... A ignorância é uma benção. Mordemos a fruta da Árvore da Vida e fomos expulsos daquele estado de inocência que supria nossas necessidades através da submissão voluntária e engajada aos roteiros convencionais. Pecamos... Caímos.

Talvez exista outro caminho. Mas ele é opcional. Parece-me que a racionalidade não nos leva a ele, pois requer dor, impulso, flor da pele, carne-viva. A racionalidade nos protege; ela sempre quer razões suficientes e necessárias para nos convencer a fazer algo.

A alternativa é dolorida, mas é uma alternativa: termos a coragem de resistir. Resistir tanto ao vazio interno da constatação do Nada, quanto do Tudo externo que querem que engulamos palato adentro. Essa é a causa, essa é a luta, essa é a guerra. Caminhar livre em meio a guerra sempre será uma opção melhor do que ser líder e absoluto numa prisão. Mas jamais conseguiríamos sozinhos. A rebelião deve ser feita em conjunto: a união de gritos surdos no escuro, dos pecadores que se rebelaram contra o próprio diabo que os tentou: a razão, e contra o deus que os conforta: a ignorância.

É o caminho de volta da cobra mordendo o próprio rabo, da loucura, da desrazão, da rebelião dos anjos caídos que querem construir seus Tudos; sem uma totalidade fixa, sem negar o devir, sem conceber as coisas com sentido nelas próprias, mas construindo passo a passo e na alteridade aquilo que possam celebrar como fruto de suas próprias vidas. E aí sim seremos os ungidos; conscientes de nossa inconsciência, mas inconscientes da consciência alheia que quer seqüestrar nosso livre pensar e nosso livre sentir.

Quero resistir. Quero lutar. Não consigo sozinho. Estão comigo? Ah, como queria que você estivesse aqui. “Wish you were here”

3 comentários:

Daniel Alabarce disse...

ah!!!!........ vai escrever um texto emocionante e questionadoravelmente inteligentíssimo assim lá na puta que pariu! viu!

Puta merda! Esse seu texto me deixa tonto! Cara, é a terceira vez que eu leio, e me emociono novamente! Vai tomar no seu cú, viu!

Cara, não sei que espécie de comentário fazer... é muito profundo (sem exagero nenhum, apenas realismo!), muito bom... está quase chegando ao não-ser, por ser tanto e causar em mim tamanha identificação que não haja som para se dizer algo!

Esse texto é mesmo um orvalho na madrugada, como se disse acima!

valeu cara!

Diogo Bogéa disse...

Cara, Muito bom, muito bom mesmo.
Para superar o niilismo é preciso força, coragem.. Viver o conflito, afirmar o conflito, afirmar o devir em seu eterno vir-a-ser. Criar as verdades que possam nos servir como ferramentas úteis agora, reformulá-las amanhã, descartá-las depois de amnhã. É preciso, talvez, acompanhar o movimento da existência. Ao invés de buscar o conforto na imobilidade.

Texto excelente.
Grande abraço.

AngelaZ disse...

Com toda a certeza não estás sozinho. Mais que isso, te lendo sei que não estou sozinha. Talvez minha loucura tenha algum sentido... Obrigada!

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