domingo, 7 de fevereiro de 2010

O Ensino do Criacionismo em Aulas de Ciências

adao_e_deus Toco, não contra minha vontade, em um assunto polêmico, porém necessário. Antes da defesa de qualquer bandeira não há como analisar um fato e posicionar-se dentro de uma perspectiva sem que as cartas estejam na mesa. Até porque mesmo que já tenhamos como pano de fundo uma perspectiva, é preciso analisar os fatos para que o posicionamento seja coerente e justificado dentro do mínimo de bom senso que se espera. Até porque os fatos nunca são eles próprios de forma pura e simples. Há sempre coisas em jogo além dos fatos quando se olham os fatos.

A questão central é que para quem preserva um firme propósito diante da verdade, se os fatos sugerirem ou demonstrarem que nossa perspectiva esteja equivocada, começamos a perceber uma desconstrução natural de nossas crenças e assistimos um reposicionamento progressivo na amplitude de nosso olhar sobre o mundo. Os fatos nunca estão isolados. Sempre existe um contexto que os encaixa em um sentido maior que sustenta uma certa simbólica. O reposicionamento, porém, não acontece sem dor e para quem busca a verdade é preciso estar preparado para a dor e o desconforto. Na multiplicidade de opiniões em um esforço sincero de imparcialidade é que as coisas se ajeitam, tomam forma e constituem a realidade que nos circunda, tanto sensivelmente quanto simbolicamente; não sem antes assumirmos o quanto trágico isso pode ser e nos posicionarmos favoravelmente para reconstruções profundas.

Isso é o que difere, talvez, as buscas religiosas das buscas filosófico-científicas. Quem busca a verdade pela religião se acomete de uma Vontade de Verdade que não raro o cega diante de qualquer coisa que, supostamente, contradiga a interpretação canônica daquilo que crê. A busca da verdade religiosa é uma busca, primordialmente, de conforto psicológico e nisso não podemos negar que a religião é profícua, útil e (a despeito das más línguas) até necessária. Embora haja no bojo da atividade científica e filosófica uma disposição “natural” ao conforto (pois são feitas por homens e suas complexas psiques), não é possível dizer que essa busca seja a primordial. Por esse motivo é que elas se constituem um plano de saber diferenciado e não raro promotoras de angústias e sofrimento para aqueles que precisam desconstruir suas crenças e verdades prontas para se abrirem às evidências.

charles_darwin A questão criacionista é uma questão delicada. Envolve muito mais do que crer ou não crer, nem tampouco invade a questão da validade ou não em se ter crenças. A questão é sobre a validade de se solicitar um estatuto a algo sem que esse algo cumpra aquilo que lhe classificaria dentro do estatuto que ele pleiteia. Ou seja, o criacionismo (e sua vertente menos religiosa o DI – Design Inteligente) solicita o estatuto científico sem querer ou se preocupar em cumprir os requisitos que os incluiriam como ciências. Como encarar isso? Como os próprios crentes poderiam encarar isso? Eis a questão.

Quem é do meio científico, seja estudante ou cientista atuante (sendo crente ou não) sabe o que o estatuto científico e a comunidade científica prescrevem para que uma atividade ou um corpo de pensamentos possam ser considerados como tal; dessa forma candidatar-se a ter esforços e financiamentos direcionados às pesquisas que corroborem seus postulados. Quem não é, ou não aceita, pois se “encastela” em verdades prontas a serem apenas confirmadas, simplesmente tenta desestabilizar esse estatuto com vistas a embrenhar-se em suas rachaduras (naturais, inclusive) para validar algo sem classificação fora de sua esfera: crenças.

 

Um Episódio Exemplar

The Guardian Vale lembrar o lamentável episódio em que o biólogo Michel Reiss, então diretor de educação da Royal Society (a academia britânica de ciências) e também padre na Igreja Anglicana, declarou (diga-se de passagem lucidamente e conscientemente) que o criacionismo deveria sim ser abordado nas aulas de ciências, porém com a clara distinção daquilo que é usado por ele para afirmar-se e do que um conhecimento científico de fato é construído. Ou seja, ele [o criacionismo] deve ser abordado pois faz parte da cultura popular embrenhada no ensino bíblico acreditar nos pressupostos do Gênesis, mas que isso seja ponto de partida para diferenciá-lo substancialmente do que é ciências e de como se constrói o conhecimento científico.

Por ocasião dessa declaração, nas mãos de um jornal (o The Guardian) que escolhe um título sensacionalista destacando somente a primeira parte do que foi dito (o título foi: “Ensine criacionismo, diz cientista eminente”), Reiss foi demitido da Royal Society. Vale lembrar que o conteúdo da reportagem, feita por James Randerson, que além de jornalista é doutor em genética e evolução, traz todo o contexto em que a frase foi dita e não deturpa o que Reiss falou, de maneira lúcida. Mas a manchete escolhida pelo jornal trouxe repercussões enormes que abalou a credibilidade do biólogo no episódio, mesmo que depois tenha sido resgatada.

Numa época videoclíptica, de velocidade de informações superficiais que viram boato rapidamente e, sobretudo, na ausência do impulso de aprofundamento por parte dos “consumidores” de mera divulgação, a manchete causou um desserviço sem tamanho dando munição aos criacionistas se acharem discriminados por um estatuto científico que abrigaria uma ideologia ateísta. Balela. Perdeu a ciência e o ser humano, a pluralidade e, pior, a verdade.

Tanto Reiss quanto Randerson já conversaram entre si e se acertaram. O jornal, inserido em um sistema que lhe obriga a flexibilidade ética para tratar sem distinção verdade e lucro, e a má intencionalidade, ditada pela conveniência dos que se viram na oportunidade de fazer valer suas opiniões (tanto crentes como ateus), foram os causadores dessa confusão lamentável.

James Randerson e Michel Reiss Isso nos faz não só questionar a questão do ensino de ciências quanto o papel da mídia na formação de opinião. A mídia é pedagógica e precisa ter o cuidado naquilo que divulga e, principalmente, como divulga. Tão grave como vermos nossas instituições de ensino na iminência de serem obrigadas a ensinar algo que não seja ciência em aulas de ciências é ver jornalistas obrigados a terem seus textos adulterados em seus sentidos para atender necessidades de venda de um veículo qualquer. Será mesmo que Randerson não tinha nenhuma influência sobre a escolha do título e da chamada da matéria que publicou? Ele continua empregado, com certeza. Reiss não.

Os criacionistas diante do fato, sem considerar nem a justificativa de Reiss nem tampouco a própria declaração da Igreja Anglicana (que junto com a Igreja Católica declaram não haver conflitos entre a Teoria da Evolução e a Bíblia), fizeram como sempre fazem (a exemplo do próprio The Guardian): pincelaram uma meia-verdade que os atendesse e fizeram um estardalhaço.

O engraçado é que esse episódio acionou a “metralhadora giratória” evangélica. Aproveitaram tanto para se fazerem de vítimas colocando-se dissimuladamente ao lado de Reiss, como aproveitaram para atacar as crenças da Igreja Anglicana e Católica em suas políticas e conciliação entre questões de ciência e fé. Como há de postularem-se “científicos” ao posicionarem-se de forma sempre convenientes e confortáveis? Há de se questionar até eticamente essa postura, mas não farei.

 

Diálogos necessários

Penso que no início de uma organização efetiva no movimento criacionista (principalmente quando ele se modulou em DI), muita gente se assustou e tentou calá-los e desacreditá-los tanto quanto eles próprios fazem defendendo suas idéias ao denegrir e desacreditar todas as idéias contrárias. Como esse expediente faz parte das técnicas de persuasão religiosa (ou seja, cunhar o epíteto de “o mal” a qualquer coisa que contrarie suas crenças), esse movimento parece ter sido uma reação momentânea simplesmente. O diálogo e a distinção lógica raras vezes foram buscados, numa espécie de guerra santa ideológica travada entre crentes e ateus, perdendo com isso a própria ciência. A ciência, ciente de seu papel social inclusive, começou a abrir portas para uma discussão mais ampla, gerando ao menos profícuos pontos de esclarecimento em meio a tanto obscurantismo religioso e anti-religioso.

428x600_345345livro_capa_smallSustentada por evidências, levando em conta sua incompletude como conhecimento humano, mas sobretudo respeitando a segurança do conhecimento por aproximação e não por exatidão, a ciência abriu-se ao diálogo e quer trazer à baila o que de fato está em jogo. E isso difere do que os criacionistas querem, embora não difira do que a ciência precisa querer para ser ciência. E é aí que a ciência ganha a meu ver, e com ela, a verdade. A discussão entre ciência e criacionismo está além do ateísmo e é preciso que os próprios ateus vejam isso para contribuir com a ciência.

Esse diálogo e abertura necessários à própria humanidade não desfaz nem desafia, entretanto, a sábia decisão do Simpósio ocorrido em Outubro de 2008 em Londres (que reuniu tanto Reiss quanto Randerson) elaborado sobre como a imprensa deveria abordar o criacionismo. Ambos sentaram lado a lado, com Randerson reconhecendo sua culpa e Reiss declarando que não guardou qualquer rancor do fato. Prevaleceu no simpósio a noção de que não havia sentido, ao menos no jornalismo científico, dar espaços equânimes ao criacionismo, posto que não é ciência. Nada mais óbvio.

E nas aulas? Particularmente sou da opinião de Reiss. A introdução do criacionismo em aulas de ciências serve, sobretudo, para uma ótima demonstração do que a ciência não é e nunca poderá ser. Abrir mão desse diálogo é deixar de dar um exemplo real dos motivos pelos quais é impossível conciliar ciências com o que os criacionistas desejam para seus confortos psicológicos.

blog 1 A questão do ensino das ciências não pode envolver um simples NÃO à cultura arraigada de um povo. Longe de sequer imaginar ensinar criacionismo em aulas de ciências, mas abordá-lo qualificadamente onde ele se encerra dentro do fenômeno cultural humano e com o claro intuito de mostrar como o conhecimento científico é construído como fenômeno histórico, a idéia é ensinar ciência de verdade e combater o terrorismo criacionista. Se a ciência deve ser assim, ou não, é outra questão que pode sim envolver as mais diversas especulações cosmovisionárias.

Se ensinar ciências é ensinar, sobretudo, como o conhecimento científico é construído, então ensinar ciência nada tem a ver com o criacionismo e religião. Se tivesse a ver a ciência seria uma ramificação da religião (embora ambos, a meu ver, seja uma ramificação do pensamento racionalista) ou já teria se chegado à religião e ao criacionismo pela ciência, havendo total desnecessidade dessa guerra toda empreendida pelos criacionistas.

O que, afinal, os criacionistas e deístas querem? De onde vem esse raciocínio bimodal e excludente que preconiza que se algo não é religioso é, necessariamente, anti-religioso? O que é ser laico para eles? Ser laico não é nem ser ateu nem anti-religioso. Mas para eles, ao que parece, o que foge de seus domínios significa posicionar-se totalmente contra a eles. Isso é algo complicado, pois também um pensamento não científico não é, necessariamente, anti-científico, pois não há qualquer necessidade da chancela científica para ser considerado válido ou verdadeiro.

 

Escolas e Escolas

sala-de-aula A questão, parece-me, não atinge por enquanto escolas públicas ou mesmo as particulares que trazem em sua política de ensino o laicismo. Alerto também que essa questão não entra nem no âmbito do ensino religioso. Centra-se em dois focos: ensino de ciência e ensino em escolas de confissão especificamente evangélica e protestantes.

Colocar como “apenas uma teoria” ou, cientificamente, ao mesmo nível o criacionismo e a Teoria da Evolução é abrir mão de ensinar ciência. E é isso que as escolas de confissão evangélicas fazem. O ensino científico se torna deficiente porque se faz concessões aos seus fundamentos para se encaixar como estatuto científico aquilo que não tem.

O estado brasileiro, laico constitucionalmente, não deve proibir ensino de religião em instituições religiosas, de maneira alguma. Mas deve coibir e fiscalizar o ensino de ciência como atividade laica e dentro de seus fundamentos, sem o que estará dando anuência para a má formação de jovens em larga escala.

Numa reportagem especial da Veja, de fevereiro de 2009, é destacado um trecho de um livro didático de ciência de uma escola adventista:

"Muitos ensinam a evolução como se ela fosse um fato cientificamente comprovado. Isso não é verdade e nem honesto, já que não se podem provar cientificamente as origens da vida".

Do que estão falando? Fora o escorregão no português (que em um livro didático deveria estar ausente), estabelecer uma premissa absolutamente vaga para se encaixar uma ideologia chega a ser anti-ético, para não dizer ilógico. Dizer que “muitos ensinam a evolução” de uma forma específica, sem dizer “quem” e “onde”, é o mesmo que dizer que muitos mataram em nome da religião, logo a religião não presta e deva ser extirpada como manifestação humana. Uma organização que prima por se auto-propalar reduto de uma ética universal necessária, deveria tomar cuidado com raciocínios falaciosos e sofismas que podem se virar contra ela mesma. No mínimo é burrice, no máximo falta de responsabilidade.

Primeiro que ensinar ciência (sendo ensinar a construção do conhecimento científico) significa dizer peremptoriamente que não existe, ao menos desde o século passado, “provas científicas”. Ou então, que o que se entende como “prova científica” hoje não é o que se entendia antes da segunda metade do século passado. “Prova” hoje, se insistirmos em anunciá-la, nada mais é do que demonstrar algo que é válido até que seja refutado. A desatualizada noção científica de “prova” propalada nesse material didático é a mesma utilizada pela religião, por isso são irreconciliáveis. Hoje isso não está em jogo e o ensino precisa refletir o que está em jogo na construção do conhecimento humano, científico ou não. Se as noções de Verdade são diferentes entre ciência e religião, como querer que um pensamento religioso seja científico?

aulas2Idéias como “confirmação”, “prova”, “comprovação” são anacrônicas na filosofia da ciência e na produção científica atuais. Ensinar ciência é, sobretudo, trazer esses conceitos epistemológicos para entender o conhecimento científico atual, sua construção e, historicamente, como se chegou a ele. O que, convenientemente, os criacionistas fazem é solicitar o estatuto científico às suas idéias a partir de uma noção de ciências e de verdade que nem existem mais. Se existissem até estariam certos, pois tudo o que pode ser comprovado poderia ser científico; coisa que abriu precedentes e possibilidades para os maiores erros e “tosquices” da história.

Quando, na mesma reportagem da Veja, o “professor” Nahor Neves de Souza diz que as descrições literais e históricas bíblicas estão, progressivamente, sendo “confirmadas” pelas mais recentes descobertas arqueológicas no Oriente Médio, ele confere um estatuto de verdade a algo que não tem esse estatuto em ciências. Se tivesse, da mesma forma que encontrar algo descrito na Bíblia confirma sua veracidade, deixar de encontrar confirmaria sua falsidade. Se lógica faz parte da construção do conhecimento científico, é impossível abrir mão dela para tentar ensiná-lo ou praticá-lo.

 

Só lembrando Popper

POPPER2 Foi Karl Popper, um dos mais influentes filósofos da ciência de todos os tempos, quem derrubou o conceito de prova científica. Inicialmente Popper se colocou cético em relação à Teoria da Evolução, colocando-a junto com outras chamadas ciências historicistas; que explicam o passado e são imunes à refutações. O conhecimento, para Popper, mereceria estatuto de científico quando, a partir de uma Teoria que explicasse um fenômeno problematizado, fosse possível depreender predições que pudessem ser submetidas a testes e refutadas caso não fosse verdadeira.  Se não fosse refutada seria sinal de que havia corroboração para a idéia que explica o fenômeno e que resolve o problema. Se fosse refutada não era nem científico, tampouco conhecimento. No entanto Popper não postula como não-conhecimento todas as afirmações que não se submetem a testes de refutação. Só não poderia ter o estatuto de científico, mas sem deixar de ser conhecimento.

Isso restringe a ciência? Sim. Mas lhe dá objetividade. É algo que os evangélicos poderiam se beneficiar muito, pois no positivismo a batalha era entre verdade e conhecimento trazia a clara noção de que conhecimento que não fosse científico não era verdadeiro em instância alguma. Popper resgata, a meu ver, o conhecimento humano em geral e reduz substancialmente o campo de ação científica para que possamos abrigar como conhecimento tudo aquilo que nos conforta, mas dentro de suas próprias demarcações, ou como nos diz Stephen Jay Gould; dentro de seus magistérios. Quanto menos interferentes forem esses magistérios, tanto menos problemas encontraremos pela frente. E viva o conhecimento: o artístico, o religioso, o místico, o científico e o filosófico.

Vale, portanto, lembrar aqui as teses que Popper defendeu para a ciência (tanto sociais quanto naturais) para situarmos bem a questão e as diferenças entre as abordagens científicas e as de cunho criacionistas. Em suma, elas nos passam que não existe conhecimento científico sem a questão do “problema”. Em seguida nos diz que não existe método que não seja a busca das melhores maneiras de se testar soluções universais para esses problemas. Tudo isso sob severa crítica em todas as etapas. Nas palavras dele:

a) O método das ciências sociais, como aquele das ciências naturais, consiste em experimentar possíveis soluções para certos problemas; os problemas com os quais iniciam-se nossas investigações e aqueles que surgem durante a investigação. As soluções são propostas e criticadas. Se uma solução proposta não está aberta a uma crítica pertinente, então é excluída como não científica, embora, talvez, apenas temporariamente.

b) Se a solução tentada está aberta a críticas pertinentes, então tentamos refutá-la; pois toda crítica consiste em tentativas de refutação.

c) Se uma solução tentada é refutada através do nosso criticismo, fazemos outra tentativa.

d) Se ela resiste à crítica, aceitamo-la temporariamente; e a aceitamos, acima de tudo, como digna de ser discutida e criticada mais além.

e) Portanto, o método da ciência consiste em tentativas experimentais para resolver nossos problemas por conjecturas que são controladas por severa crítica. É um desenvolvimento crítico consciente do método de "ensaio e erro".

f) A assim chamada objetividade da ciência repousa na objetividade do método crítico. Isto significa, acima de tudo, que nenhuma teoria está isenta do ataque da crítica; e, mais ainda, que o instrumento principal da crítica lógica - a contradição lógica - é objetivo.

POPPER, Karl R. A Lógica das Ciências Sociais. Tradução Estevão de Rezende Martins e outros. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004, 3ª Edição. Página 16.

A Teoria da Evolução enuncia um problema postulado através da observação de fatos: a transformação dos seres e o surgimento de espécies variadas. Logo depois postula uma explicação para esse problema: a Seleção Natural. Em seguida, a partir da descrição detalhada desse mecanismo (o livro A Origem das Espécies, de Darwin), amparada também em evidências observáveis e devidamente catalogadas e criticadas, propõe, como também deixa em aberto, várias maneiras de se testar (para corroborar ou falsear) a validade da explicação.

darwin_nao_sabia_sobre_selecao_natural Bem, a Seleção Natural, pilar epistemológico da Teoria da Evolução, ao longo de 150 anos é largamente corroborada com os mais variados experimentos prospectivos dentro dos laboratórios do mundo, e com a ajuda da ciência genética, corroboram-se em larga escala a idéia absolutamente científica de que há descendências comuns entre as espécies, inclusive o homem. Ora, quem é que, conhecendo ciência e seu método, pode querer negar isso em nome de crenças?

Uma coisa é negar as conseqüências dessas corroborações à luz de uma ideologia como pano de fundo: por exemplo, negar a existência de Deus. A Teoria da Evolução não tem esse alcance nem essa intenção. Outra coisa é, independente de conciliação, colocar as coisas em seus devidos lugares. Portanto não é a existência de Deus que está em jogo (se estivesse daria até certa razão nessa batalha estapafúrdia empreendida pela maioria das denominações protestantes – a Igreja Anglicana e a Católica, mesmo abrigando exceções e pitbulls fundamentalistas em seus quadros perceberam isso).  A ciência, nem tampouco o próprio Darwin, jamais colocaram em dúvida, naquilo que se caracteriza como científico em seu pensamento (ou seja, dentro do método que corrobora as teorias) a questão da divindade. Não é objeto científico. Não é de seu magistério.

Perguntemo-nos, agora, qual problema que o criacionismo coloca? Qual sua explicação para solucionar esse problema? Dessa explicação, quais as predições que podemos depreender e submeter a testes de falseabilidade para validá-la? É possível imaginar um deísta ou criacionista seguindo os passos propostos por Popper? Nem os criacionistas nem os deístas são capazes de responder. Portanto negam a ciência e o conhecimento científico para redefini-los de forma a encaixar suas crenças e ter a chancela científica para elas. Para que?

Parece-me ser por uma questão de guerra política e ideológica que os evangélicos, metodistas e adventistas insistem em contrapor o criacionismo com a ciência, ferindo não só o estatuto científico como entrando em uma guerra em que está em jogo coisas que passam à largo daquilo que reivindicam. Parecem possuir uma visão muito estreita dos fatos, embora essa visão lhes convença que possuem a única e absoluta verdade.

 

Conclusão

O-ESTADO-LAICO-BRASILEIRO Bem, meu posicionamento é claro. Penso que o Estado, constitucionalmente laico, deveria estabelecer critérios claros, através do Ministério da Educação e Cultura, do que é aula de ciência e como deva ser abordado o conhecimento científico, estendendo isso a uma análise e fiscalização de aulas e conteúdo programático a toda instituição de ensino reconhecida como tal, principalmente nas de denominação religiosa. Não é possível confundir ensino religioso com ciência nos dias de hoje. Fazer isso é relegar a política à instâncias teocráticas, que no fundo, sabemos ser o que os religiosos querem e, por isso, não se entendem mesmo entre si.

O que está em jogo não é a existência de Deus, deuses, gnomos, duendes ou mesmo poderes paranormais, mas sim o ensino da ciência como conhecimento constituído, linguagem própria e formas de ser distintas daquelas que querem conspurcá-la e descaracterizá-la segundo seus interesses. Que ela [a ciência] pode ser muito melhor do que é, não temos dúvida. Que é preciso acrescer uma dimensão ética ao fazer científico, penso que deva ser uma preocupação de toda a sociedade. Mas colocar cabresto no conhecimento para que ele reflita apenas uma cosmovisão, é algo que se um dia deixarmos acontecer estaremos selando nossa própria sorte (fortuna), deixando portanto, de exercer nossa Virtú.

estado_laico veshame gospel É preciso, portanto, estar muito atento às verdadeiras intenções por trás de certos atos e movimentos. No fundo, parece-nos claro que os próprios religiosos não colocam em questão se a ciência nega Deus ou não. Se forem honestos reconhecerão que a ciência praticada se exime dessa questão. São eles que querem trazer essa questão para ciência, obrigando-a a confirmar suas crenças; o que desvirtua seu conteúdo, seu escopo e sua razão de ser, transformando-a, de acordo com suas intenções, em algo que ela não é.

Se ela ainda não é o que ela poderia ser, dentro de suas possibilidades, é possível postular uma noção lógica de que ela não deva ser instrumento ideológico e muito menos religioso. Penso que nossa luta, enquanto filósofos, cientistas, educadores e cidadãos seja no sentido firme e atuante de melhorar a ciência até a consolidação de um método imune à ideologias. E com isso lutar contra aqueles que, por ela não cumprir seus ideais particulares, tentam arregimentá-la para ser o que eles querem que seja.

Por fim e não menos importante, a Evolução (entendida como transformação de espécies de seres vivos em outros – por mais arbitrário que seja qualquer classificação de espécies, conforme o próprio Darwin dizia) é um FATO observável, empírico e incontestável, corroborado pelos experimentos genéticos e todo um conhecimento constituído com base empírica. Qualquer teoria que se arrogue científica precisa explicar esse fato e uma teoria que tente negá-lo precisa esperar simplesmente que esse fato desapareça do planeta junto com todas as evidências incontestáveis de que ele tenha ocorrido. A Teoria da Evolução, que postula como explicação do fato EVOLUÇÃO o mecanismo de Seleção Natural (que é a base da teoria de Darwin) é científica porque simplesmente postula eventos dos quais podemos predizer sua ocorrência, submetendo-se à falseabilidade. É, portanto, científica.

O criacionismo tem como base, única e exclusivamente, uma interpretação literalista da Bíblia e, negando aplicar o método científico, sai à cata de confirmações históricas de ocorrências daquilo que está escrito na Bíblia. Por uma falácia de generalização, desdobra o futuro a partir de fatos controversos que não confirmam, mas apenas dão indícios da possibilidade que certas passagens bíblicas serem históricas. No entanto, não prediz nada que possa ser submetido a testes empíricos. Logo, não é científica. Sua vertente menos óbvia, o Design Inteligente, tira as escrituras de sua base epistemológica e foca-se nas lacunas que a Teoria da Evolução não explica por fósseis, cometendo a famosa falácia da ignorância: se não tem evidência de um particular, invalidemos o geral. Tampouco oferece explicações que predizem fenômenos que possam ser observados nem agora nem no futuro, coisa que a Seleção Natural nos mostra diuturnamente.

Lutar contra a ciência pelo que ela não é e porque ela não explica ou não se preocupa com nossas verdades fundamentais, é algo despropositado e inútil, mas que está se transformando em uma bandeira ideológica de consequências desastrosas para a humanidade.

 

Para Ler mais

Reportagem Veja: Onde Darwin é Só mais uma Teoria - http://veja.abril.com.br/110209/p_084.shtml

O Debate Sabotado entre criacionistas e evolucionistas – Blog Laudas Críticas

Reportagem Estadão: Escolas brasileiras adotam criacionismo em aulas de ciências

SOUZA, Carina Marheb de Azevedo. A PRESENÇA DAS TEORIAS EVOLUCIONISTAS E CRIACIONISTAS EM DISCIPLINAS DO ENSINO MÉDIO (BIOLOGIA, GEOGRAFIA E HISTÓRIA). Artigo publicado no I Simpósio de Pesquisa em Ensino e História de Ciências da Terra. UNICAMP, Campinas, 2007: http://www.ige.unicamp.br/simposioensino/artigos/013.pdf

Recomendadíssimo: Entrevista com Steve Jones: a ameaça do criacionismo – in http://www.scienceinschool.org/2008/issue9/stevejones/portuguese

10 comentários:

Vanessa Souza Moraes disse...

Adoraria comentar de forma super inteligente, mas não domino os temas - e morro de medo de escrever bobagem, rs.

Lacan e Nietzsche tem pontos em comum.

Estudei um poquinho - com o Quinet - de tragédia em Nietzsche.

Boa semana para você.

Beijo.

Gilberto Miranda Jr. disse...

rsrrs Vanessa, você me respondeu aqui o comentário que fiz em seu blog... Sim, tem pontos em comum sim. No meu artigo anterior, que falo do Trágico como remédio ao Niilismo, trago Lacan no di´logo que estabeleço entre Deleuze e Nietzsche.

Roberto Berlinck disse...

Caro Gilberto,
Muito bom seu texto.

Sugiro também:

http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=61632

cordialmente,
Roberto Berlinck

Gilberto Miranda Jr. disse...

Prezado Roberto, chego a ter vergonha de não ter relacionado ao final de meu artigo o link que você sugere, pois ele se constitui obrigatório na busca de uma compreensão dessa sombra estranha que vem sondando nossa situação pedagógica.

Particularemnte, embora eu tenha tomado partido favorável à abordagem do criacinismo nas aulas de ciencias (pelos motivos já expostos), fico com receio que isso abra uma prerrogativa perigosa. Mas pior do que está, quando ele se infiltra explicitamente ou obscurecidamente pelo ensino deficiente da evolução, penso que não ficará. Penso que está na hora de enfrentá-lo como fenômeno cultural importante e colocá-lo em seu devido lugar, servindo como base demonstrativa de como não fazer uma pseudo-ciência em contrapartida ao ensino de como se dá o conhecimento científico de fato.

Muito obrigado por seu comentário, me honra muito. Abraços...

Arnaldo disse...

Olá Gilberto,

Li seu texto. Concordo com você plenamente.
Como conversamos anteriormente, lá no meu blog, tenho o palpite que ensinos de cunho epistemológico (que explique o que a ciência pode ser e seu escopo) é necessário, tanto quanto explicar as teorias científicas.
Um ensino que delineia a ciência permite uma visão critica frente a tomadas ideológicas, como o que o ensino de criacionismo sob a chancela de "científico". Pois um ensino epistemológico evitaria a propagação de pseudociência seja de má-fé ou pela ingênua-fé.

Parabéns pela postagem.
Estou pensando em lançar um "UPDATE" ou um novo artigo lá no meu blog, focando mais o lado pedagógico, como uma continuação da postagem http://arnaldo.networkcore.eti.br/?p=557 e da nossa conversa.

Novamente, parabéns pelo artigo. Concordo com suas palavras.

Arnaldo.

PS: desculpe a demora ao comentar seu artigo; estive sem internet ontem.

Vanessa Souza Moraes disse...

Eu deveria responder o comentário no meu próprio blog? Rs.

É mais fácil o sujeito ver o próprio blog do que o blog alheio.

Gilberto Miranda Jr. disse...

Que isso, Vanessa! Não existe qualquer dever, querida... É que não são assuntos relacionados, só isso... Sempre que eu comento em um blog do Blogspot, eu me cadastro para receber os comentários daquele post, podendo acompanhar a repercussão do mesmo. Mas entendo seu comentário aqui. Eu respondi lá rs... Eu não sei se vc é assim, mas embora eu seja até um blogueiro meio antigo, ainda vivo a expectativa de comentarem um artigo e saber a opinião das pessoas sobre o que escrevemos. Acho que é um importante feed-back sobre o que pensamentos e nos ajuda muito, seja com críticas ou reconhecimentos... Alias, e já te disse isso, adoro seu blog...

Beijao querida...

Gilberto Miranda Jr. disse...

Prezado Arnaldo, aguardo ansioso seu novo artigo sobre o assunto. Eu resolvi fazer um novo post por conta de um possível novo rumo a partir do que discutíamos em seu blog. A questão criacionista, como havia dito lá, está para além, a meu ver, da garantia social que a ciência confere, embora esteja sim relacionada com ela.

Queria destacar um trecho de minhas resposta a você:

"Sobre a facilidade que os não-fóbicos demonstram em comprar “gato por lebre” e aceitar e propalar a pseudociência como ciência, penso que vai além de uma resposta com “certa precisão”. Penso que o motivo principal seja conforto. Ou seja, o não-fóbico que compra pseudociência como ciência e repercute crendices, simpatias e um monte de besteira com “ares” científicos, simplesmente o faz porque aquilo responde suas expectativas ou possuem explicações que vão ao encontro do que querem ouvir e lhe causa conforto."

Ou seja... É possível até conceber criacionistas que mesmo que seja o que você chama de não-fóbico em ciências, prefira o criacionismo em virtude do conforto, considerando-o uma teoria alternativa àquela que não atende suas expectativas íntimas. Mas com isso ele coloca pseudociência ao mesmo nível de ciência, demonstrando falta de conhecimento do que seja ciência e de como se constitui o conhecimento científico. Ele mistura as bolas e coloca em jogo o que está além da ciência.

Uma educação científica válida, a meu ver, não coloca em questão coisas além do que a ciência trata, embora, se o intuito for desenvolver um pensamento científico (que não é exatamente ensinar ciência), acabamos por resvalar em temas alheios...

O ensino de ciência não envolve, especificamente, pensar de forma científica e criticar a forma científica de se pensar. A crítica à ciência é uma matéria filosófica e não científica, embora o "fazer ciência" envolva crítica de métodos (ligados somente à aplicabilidade para o que se deseja e não epistemologia)...

Essas distinções são de suma importância para saber onde se encaixaria a abordagem do criacionismo em aulas de ciências...

Abraços, amigo...

Arnaldo disse...

Concordo plenamente que crítica à ciência é filosofia e não científica - acho que não gostaria de cometer este equívoco (alías isto foi um dos temas de uma conversa que tive com um colega; conversa tal que desembocou no artigo http://arnaldo.networkcore.eti.br/?p=345; embora neste não fale muito claramente desta distinção).
Entretanto vislumbro que uma educação que envolva tanto o que é científico (assim assumindo o ensino da ciência) quanto aos fatores epistemológicos (portanto filosóficos) poderiam abrir possibilidades (e esta é uma palavra muito importante) de visões mais críticas; não só às pseudociências, mas também à supervaloração científica e quaisquer outra problemática envolvida no assunto.

Abraços,

Arnaldo.

Gilberto Miranda Jr. disse...

Prezado Arnaldo, concordo com você, mas somente em nível de pós-graduação. Até a gradução, penso que ainda é muito deficitária nosso ensino científico para que promovamos um pensamento crítico.

Sem pensar em nossa situação atual, vejo como pertinente abordar epistemologia logo na graduação, mas levando em consideração a deficiência de base, penso que só na pós seja possível promover esse debate de forma mais qualificada.

Isso não exclui, porém, a própria sociedade fazer esse papel, mas é preciso que os cientistas, principalmente, façam um trabalho de divulgação que fique claro ao público o que é ciências, ao inves de deixá-lo à mercê da conveniência de quem quer vendê-la da forma que lhe favoreça.

Esse meu discurso pode parecer elitista (o que até me excluiria rs), mas o defendo no intuito de pensar nas condições de possibilidade de um ensino com base no conhecimento constituído de forma que a construção crítica do mesmo parta de sua realidade e não da fantasia de gente que quer, á fórceps, a chancela científica para seus delírios.

Abraços...

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