domingo, 17 de abril de 2011

O Mal, o Sofrimento e a Dor...

Uma vez me disseram:

O maior problema de quem não acredita em Deus, pelo que tenho visto, é sua falta de justificativa mental para o mal, o sofrimento e a dor

sofrim Ocasião em que fui obrigado a concordar. De fato é um problema. Mas nem de longe isso significa que a resposta seja automaticamente ou necessariamente uma crendice. Não é porque não há respostas para algo, é que aquilo que nos conforta deva ser a verdade sobre esse algo. Eis a grande diferença de postura entre o crédulo e o cético. Ambos, quando às voltas com um problema, respondem de maneira diversa: um se apega ao que lhe é útil ou agradável, outro se apega ao que lhe é coerente. Para o crédulo (e não posso generalizar) o que lhe é útil e lhe traz conforto mental o é por ser coerente. Isso é uma falácia sem tamanho. Por outro lado os critérios de coerência do cético são outros.

O pensamento filosófico-científico (que os céticos em geral adotam) suporta a dúvida, a incerteza e a falta de respostas quando nenhuma delas satisfaz os critérios pelos quais se constitui consensualmente um saber. Ao passo que a religião e a crendice em geral precisa de certezas e respostas a qualquer custo: qualquer falta de resposta torna automaticamente verdade qualquer coisa que satisfaça as necessidades utilitárias do crente.

Isso me faz refletir. Ser secular (ou adotar uma abordagem laica) é diferente de negar a existência de alguma força superior qualquer. Ao negarmos ou ao afirmarmos qualquer coisa assumimos uma petição de princípio; e qualquer pensamento que parte de pressupostos tende a ser parcial, o que foge do escopo investigativo isento e que chamamos de “epistemicamente virtuoso”. Ou seja, parece-me incoerente.

Não penso que haja qualquer problema na afirmação individual da não existência de Deus vinda de um ateu. Eles possuem tanto direito quanto os religiosos que afirmam e pautam sua vida pela existência de instâncias superiores reguladoras para que as coisas sejam como são. Porém quando essa afirmação é política eu tendo a ficar ressabiado. Uma afirmação política precisa ser consciente de suas conseqüências e de como o sistema de valores vigente poderá usá-la, podendo inclusive subverter completamente os propósitos existentes no momento em que foi dita. É perdoável a incoerência em um crente (pelos critérios que os norteia e já mencionei), mas não é para um cético que, por definição epistêmica, procura a coerência a partir da dúvida metódica e a suspensão de juízos.

SOFRIMENTO É óbvio que a falta de objetividade para certas respostas pelas quais o homem anseia não justifica a existência de Deus. Isso é preciso postular politicamente de forma exaustiva. Porém isso é diferente de retirar o conforto psicológico de pessoas que não estão preparadas para se bastarem minimamente e não oferecermos algo imediato pelo qual ela possa se desenvolver.

A contraposição à idéia de Deus não é a Ciência e sim a possibilidade política e ética de nos mantermos minimamente civilizados sem a necessidade de uma autoridade transcendente que dita regras de conduta ameaçando com o inferno ou prometendo vidas inefáveis no futuro. Vem à calhar aqui uma frase de Kai Nielsen que minha amiga Asa Hauer postou em seu perfil:

“Um homem que diz, 'se deus está morto, nada importa', é uma criança mimada que nunca olhou para o seu próximo com compaixão.”

O mal, o sofrimento e a dor são frutos diretos de nossa maneira de ser, e que pode ser modificada a partir da consciência de que o outro mereça respeito tanto quanto nós mesmos queremos respeito. É uma máxima prática, inclusive cristã, e que não tem nada a ver com sobrenaturalismo. É lógico e não metafísico. Acabar com eles é uma prerrogativa do diálogo plural, político-democrático e não fruto de dogmas e preceitos religiosos unilaterais que buscar encaixar as singularidades em modos de ser discriminatórios e excludentes.

Por fim, penso ser interessante reproduzir aqui um argumento de Epicuro sobre a existência de Deus:

“Ou Deus quer abolir o mal, e não pode; ou ele pode, mas não quer; ou ele não pode e não quer. Se ele quer, mas não pode, ele é impotente. Se ele pode, e não quer, ele é cruel. Mas se Deus tanto pode quanto quer abolir o mal, como pode haver maldade no mundo?”  - Epicuro

Mas se a resposta a esse paradoxo se encerra no dogma do Livre-Arbítrio, acabar com o mal independe da religião e está simplesmente nas mãos dos homens, sejam eles crédulos ou céticos. E não haverá saída enquanto a discussão centralizar-se nas infindáveis contendas entre a existência e a inexistência de Deus.

solidariedade_deville

Podemos refletir sobre isso?

5 comentários:

Infra-Red Belt disse...

Gostei mto, Miranda. Eu tenho explorado intensamente esse dilema entre a certeza e incerteza como vc coloca acerca de Deus, e a necessidade de conforto com relação a isso.

Eu achei a 1a figure genial. Ela traduz muitissimo bem isso, alem de querer dizer (no meu entendimento), que a felicidade é o caminho, a jornada - um processo - e não uma chegada. Acho que estamos eternamente buscando a cenoura pendurada em nossa frente.

Irene Genecco disse...

Oi, Miranda! Bom encontrar você, pra exercitar os neurônios...
Legal isto de não tirar algo de alguém se não tiver nada para pôr no vazio. Como aquela jovem que perguntou ao filósofo se ele tinha ido à missa, e ele tomado de compaixão pela sua ingenuidade pura achou melhor deixa-la crer que sim e mentiu. Quanto à questão de cético e crédulo, penso que não há grande diferença entre um e outro. Ambos ACREDITAM que estão certos. Mas o que move suas crenças é a racionalidade, porque somos todos racionais. A metafísica é uma racionalidade tanto quanto a física. Ciência e religião não precisam e não deveriam se excluir, porque são apenas esferas diferentes, no campo das racionalidades. Somos diversos, nossas necessidades são de múltiplas faces. Obviamente seria preciso distinguir religião de religiosidade. Uma é uma instituição de poder, cercada de interesses sectários, outra um estado inerente do ser humano, que no seu processo de humanização transcende a si mesmo, no outro, na natureza, na vida, nos sentimentos, no amor, na busca incessante de sentido e razão para o seu existir. A religiosidade não exclui a razão e vice-versa. Céticos e crédulos, acredito, são apenas rótulos para modos diferentes de abordar as grandes dúvidas existenciais que nos cercam a todos de sombras. E estas minhas considerações são apenas... considerações.
Um abraço, amigo.

Anônimo disse...

Caro Miranda,

Como você bem me mostrou em outros papos, a necessidade de resposta não é exclusiva da religião, mas há até mesmo instâncias de pessoas sem crença religiosa alguma que se aprisionam em discursos para não largar mais. Seja por comodismo intelectual ou mesmo por uma quase fé naquela linha de raciocínio.

Eu me pauto que as dores e sofrimento são coisas naturais de nosso mundo, assim como o mal. Não podemos amadurecer enquanto não aceitar isso. Mas sou otimista, pois acho que caminhamos a chegar em uma dia há uma sociedade melhor, mesmo com todo a ameaça de nos acabarmos subitamente antes.

Escrevi um texto sobre a importância da luta diária para adquirir Direitos e como a Política caminha junto com esta mudança. Somos seres andando no mundo e vivemos em um Estado de Direito ainda não Democrático e cheio de falhas. Não sei se posso crer nesta máquina perfeita ou se seria mais fácil instaurar um regime anarquista. Mas fato é que há uma cultura neste mundo moderno, pautado em uma cultura capitalista de exclusão e na prática de dar de ombros com a realidade, que muito se aproxima com a necessidade do religioso de crer no mistério - o sujeito adquire seus bens, monta sua família, tem a necessidade de ser feliz, não importando se vier bater em sua porta um mendigo que implora por migalhas. Como isto iria destroçar a teoria priorística de que o mundo é um lugar de gente feliz, o cidadão bate a porta e segue em seu mundinho...


Abraços

Anônimo disse...

Não é necessário ser religioso para acreditar ou não em algo sobrenatural. Por vezes o cético se apega a ciência por causa de suas inquietações existenciais da mesma maneira com que o religioso o faz. Espiritualidade e razão não necessariamente são faces antagônicas, pelo menos de um ponto de vista mais específico. Várias religiões e doutrinas espiritualistas enfatizam o uso da razão e o encorajam. Se a metodologia da muitas religiões para comprovar a existência de algo transcendente não convence, por outro lado, algumas teorias "científicas" sobre o surgimento do universo e outras questões não parecem ser convincente para alguns. É meramente questão de ponto de vista. Parabéns pelo blog.

Cilas Medi disse...

Professores de filosofia... existe o "Mal do Sofrimento" como desvio psiquiátrico, ou seja, a pessoa sofre por ser um instinto natural ou necessidade básica da vida e de sua história!? Para essa pergunta existe uma resposta ou somente filosofar sobre ela? Uma pergunta e outra pergunta sobre a pergunta. Tem resposta?

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