domingo, 18 de dezembro de 2011

O Corpo e o Mito do EU

shout16 Entre uma visão essencialista que coloca a “natureza” humana dada e fixa lidando com o mundo, e uma visão existencialista que coloca o “SER” humano como emergente,  histórico e somente fruto das contingências, prefiro uma abordagem fenomenológica. Isso não significa que a intenção seja buscar uma mescla entre as duas. Significa que uma percepção do SER Humano como fenômeno existencial (procurando adotá-la defenestrando todo pressuposto possível) traz aspectos que podemos chamar de inatos e aspectos que podemos chamar adquiridos e emergentes, mas que enquanto fenômeno, não a reduz nem a um nem a outro. Significa também que, mesmo tendo aspectos tanto contingentes quanto inatos, nem uma nem outra explicação considerada exclusiva parece se isentar de “saltos” e pressupostos que precisariam, antes de mais nada, justificarem-se no que postulam. Até porque o inato é também contingente fora da singularidade.

O homem, enquanto fenômeno existencial, não parece ser nem uma tábula rasa, nem uma essência anímica encarnada cumprindo algum desígnio: explicá-lo assim é ignorar não só evidências contra, como também dar um salto especulativo que mais obscurece do que explica.

O importante, a meu ver, é que tentemos não assumir pressupostos que ultrapassem nossa apreensão a partir do que pode ser observado. A lógica tem seus limites e se ela nos levar ao improvável é preciso colocá-la também sob epokhé. Até porque é naquilo que reside essa mesma apreensão é que está o que procuramos. Não há apreensão sem aquilo que nos coloca no mundo e nos faz relacionarmos com ele. É um ponto “equidistante”, mediador, catalisador, e que constitui nossa síntese existencial: o Corpo.

O corpo é o lugar próprio de encontro entre sujeito e objeto, o lugar próprio da existência por excelência, da vida, da arte, do mundo, do outro e de nós mesmos, além, é claro, de todos os nexos, sentidos e expressões que construímos para ter qualquer tipo de interação e/ou previsibilidade nas relações complexas que envolvem todas essas percepções. É o lugar síntese da necessidade: toda existência se dá na necessidade de continuar existindo de algum modo.

É no corpo que se dá a catarse de apreensão do homem como homem, que surge o EU sintonizado ao todo que ele próprio compõe e intui com e como aquilo que percebe. Através do corpo o homem apreende o mundo e a realidade e os traduzem através dos discursos possíveis determinados por sua própria corporeidade. A linguagem, a lógica, a ludicidade, a expressão artística, a racionalidade (epifanias que se dão a partir do corpo) se constituem libertação e cativeiro. Libertação, pois que lhe abre ao mundo e a si próprio constituindo condição de possibilidade de sua potência, e cativeiro, pois que é no controle desse corpo que se exerce o controle sobre o homem, seja este controle dele próprio ou de (e para) outrem.

A religião, assim como as filosofias dualistas, tomam o corpo como algo inferior a ser ultrapassado: como prisão de uma centelha divina (ou consciência) que “mereceria” a plena liberdade de se reencontrar (se religar) com o inefável; sua suposta origem. E é por isso que a religião precisa controlar, subjugar, determinar como se deve agir o corpo, o pensamento, desejos, ações e vontades de quem está sob sua guarda e auspícios: o pio. Destino semelhante requerem as filosofias que pregam ascese para instâncias ideais e formas puras.

O ser humano tem em sua natureza (essa que emerge da sua relação com o mundo e não uma suposta natureza essencialista que anteceda ao fenômeno humano) a ânsia premente de entender o que lhe circunda para sobreviver. É uma demanda evolutiva, portanto inata embora contingente. É a necessidade que coloca o homem perante si mesmo e o mundo, procurando estratégias de compreensão, domínio e controle desse mundo na perspectiva de continuidade de sua existência. Com isso emerge um SI MESMO e o OUTRO: Sujeito e Objeto.

Essa necessidade, por afetá-lo em sua totalidade, o faz pressupor que ele é Unidade centralizada em um EU, que possua um SI MESMO. É ao narcisismo (como resposta evolutiva dessa necessidade) que devemos essa sensação de unidade que nos faz acreditar que possamos estar diante de nós mesmos a partir de um juiz interior que nos cobra deveres e ações pautadas por instâncias metafísicas. O EU é uma necessidade interna constituída evolutivamente para uma necessidade externa constituída contingencialmente.

O SER humano, nada diferente de qualquer outro animal (exceto por sua soberba e capacidade de enganar-se ao ver-se como sujeito) não obtém seu sucesso a partir de meras adaptações guiadas pela média das propensões genéticas de sua espécie. Essa interpretação da Teoria da Evolução que comumente se têm é uma perspectiva que não tem base para se afirmar. Embora as modificações em nível de espécie sejam lentas e graduais como padrão, elas acontecem a partir da constante eclosão de gênios, da diferença, da variabilidade. Antes de qualquer regra, é a variabilidade constante a base de tudo. O homem e todos os animais que obtiveram sucesso evolutivo deve seu sucesso a um transbordar constante e exagerado rumo a condições de possibilidade delimitadas e restritas pelo meio ambiente (como nos ensinou Malthus, como extrapolou Darwin e como nos lembrou Nietzsche contra uma interpretação darwinista conservadora e liberal).

Enquanto a potência dos antílopes, zebras e bois almiscarados se exerce na reprodução abundante de sua prole; guiada pelo refinamento genético dos sobreviventes (portanto mais aptos) enquanto presas, por outro lado leões, guepardos e outros felinos de grande porte transbordam sua potência no refinamento genético a partir daqueles que conseguem dominar um território que abrigue a maior quantidade de presas. Um regula o outro em equilíbrio dado por ambientes que oferecem alimentos abundantes, mas limitadores às presas: um tripé ecológico auto-regulador altamente eficiente. Só o homem, porém, conseguiu modificar o ambiente para dar vazão ao seu instintivo transbordar de potência, e com isso dominou o planeta e está decretando potencialmente sua própria extinção. Ou seja, sua capacidade de modificar o meio é o próprio transbordar de sua potência.

Só no homem há esse EU soberbo (e que se pretende soberano) que faz com que nos sintamos prevalecentes a todos os outros animais e à própria natureza; dominando-os e subjugando-os ao nosso dispor. Esse EU soberbo constrói narrativas míticas explicando os motivos pelos quais devemos acreditar piamente que somos especiais e temos um lugar especial reservado a nós na hierarquia do Universo. Não consigo ver essa soberba fora das diversas respostas possíveis que uma espécie dá contingencialmente a uma situação ambiental. Essa foi uma das respostas humanas que prevaleceu a partir do sucesso reprodutivo da espécie e, reciprocamente, causa desse mesmo sucesso e de seu potencial fracasso no devir.

 

A desconstrução do EU

quem_sou___ Da mesma forma como percebemos que a atribuição de um Sujeito às coisas do mundo se deu metaforicamente a partir da percepção das relações que estabelecemos com esse mesmo mundo estranho à nós, a neurociência começa a nos fazer perceber que a atribuição de um Sujeito (ou um EU centralizador e identitário) em nós pode ser apenas mais um mito que nos contamos para fazer frente às nossas necessidades imediatas.

Lembro de uma leitura que fiz de Francis MacDonald Cornford discorrendo sobre o momento em que a necessidade nos obrigou a um distanciamento entre o sujeito e o objeto (que denominei em uma palestra que fiz na faculdade de “crise solipsista”). Esse apartamento determinou a gênese de nossa trajetória histórica a partir desse colapso:

“No desenvolvimento da raça humana, a descoberta de que existem coisas exteriores ao ser deve, como já afirmei, localizar-se em tempos remotos. Mas uma coisa é fazer esta descoberta, e outra coisa bastante diferente é chegar à idéia de que esses objetos externos possuem uma natureza própria, estranha à natureza do homem, e que não exibem nem simpatia nem hostilidade pelas paixões e desejos do ser humano. Um tempo muito longo deverá passar antes de a linha entre o ser e o objeto ser traçada onde a ciência a localiza, quando então o objeto será completamente separado do ser.” (CORNFORD 2005, p. 9 e 10)

A gênese dessa crise já está na percepção, no corpo, na corporeidade. É na necessidade de um corpo jogado no mundo que o homem percebe que o mundo não é mera extensão de si mesmo: é preciso conquistá-lo, entendê-lo e controlá-lo para que possamos sobreviver e continuar fazendo parte dele. Ao homem primitivo, não narcísico, natureza e homem eram simbiose de um mesmo SER-NO-MUNDO, integrados. A partir das migrações, homem e natureza já não comungam da mesma idiossincrasia. O homem, como gênero somático, nasce da necessidade de seu corpo frente a uma natureza que não lhe parece mais extensão de si: e ele cai, entra em crise. Não é por acaso que as mitologias antropogônicas sempre falam da queda de uma condição primordial onde divindade, natureza e homem eram Um.

Essa necessidade, num primeiro momento, fez com que o homem inferisse a natureza e os objetos dos quais ele depende como OUTRO sujeito fora dele e com uma vontade própria que se opunha à sua vontade. Assim como é intuitivo a construção conceitual de uma unidade volitiva chamada EU para si mesmo, foi também intuitivo a atribuição de um mesmo EU (no caso o OUTRO) como sujeito fora do homem que explicasse a tensão existente entre nossas necessidades e a disponibilidade da natureza diante de nós.

E assim o homem percebe que existe algo além dele; um outro sujeito (ou outros sujeitos) que se opõem deliberadamente à sua necessidade e que, por sua vez, precisa ser reverenciado e cultuado para obter seus favores. Ou então aniquilá-lo, defenestrá-lo da história, dominá-lo e possuí-lo. Com isso ele constrói mitos para explicar a natureza desse outro sujeito. O mito é a resposta humana moralizante para a crise solipsista e se dá a partir da história de nossa carnalidade.

Curioso é perceber que a construção desse mito para fora de si, pressupõe a construção de um mito sobre si mesmo: o EU. Perscrutamos o mundo a partir de mitos; narrativas metafóricas de nossas percepções na relação que mantemos com o mundo. E fazemos isso a partir de um mito primordial que contamos a nós mesmos e que constrói em nós uma identidade centralizadora que chamamos de EU; Alma, Anima...

Fenomenicamente o que percebemos é a constância de certos humores e fazeres no ser humano persistindo ao longo de certo tempo por imposição de sua necessidade de sobrevivência e, posteriormente, por papéis sociais. Essa percepção de constância é que chamamos de EU? Seriam as “mentes” desses seres humanos sempre as mesmas durante a repetição ad eternum dos comportamentos que lhe são impostos? Seria esse EU pressuposto da ordem social e construído por ela como imperativo categórico para a vida em sociedade? Por fim, é o homem que se pressupõe como EU antes de inferir um EU no OUTRO, ou é a necessidade de explicar o OUTRO que faz com que ele construa uma distinção que coloca ambos como Sujeitos?

Esboçando uma explicação, talvez basta que demos um único passo atrás e nos observemos no cotidiano. A constância de fazeres, a rotina, é de fora para dentro. A constância de humores frente à essa rotina é uma necessidade de fora que incorporamos para viver em sociedade. Mas quantos EUs experimentamos durante um único dia prestes a se rebelar contra essa constância que nos identifica aos outros como sendo nós?

Isso, com certeza, nos faz pensar ao menos se esse EU realmente somos nós. Porém não descontrói a noção do EU como o tomamos; esse procurado nos livros de auto-ajuda que viraram moda. Esse trabalho da desconstrução da noção de EU é um trabalho árduo e contra-intuitivo, pois requer que ao rejeitarmos esse EU que nos é imposto, resistamos a colocarmos outro no lugar a partir de um narcisismo patológico. Mas para isso é preciso entender o que é esse não-EU que precisa vir à tona, ser tateado e minimamente conhecido para desconstruir todo EU possível.

 

O Mito do EU e o Corpo como Mito

Nas palavras de Joseph Campbell:

“PARA MIM, a mitologia é uma função da biologia [...] um produto da imaginação do soma. O que os nossos corpos dizem? E o que eles estão nos contando? A imaginação humana está enraizada nas energias do corpo. E os órgãos do corpo são os determinantes dessas energias e dos conflitos entre os sistemas de impulso dos órgãos e a harmonização desses conflitos. Esses são os assuntos de que tratam os mitos.” Joseph Campbell apud in (KELEMAN 2001, p. 25)

O mito como organizador das experiências da vida humana está enraizado em nossa carnalidade. A matriz para a composição das histórias e imagens do mito, segundo KELEMAN e CAMPBELL, está no processo somático. Portanto, é na relação do corpo com o mundo que o homem constrói seu entendimento daquilo que o cerca, inclusive a noção de que é preciso controlá-lo para que nosso grau de exigência não ultrapasse a possibilidade de satisfazê-la. A história do homem é a história do controle de seu corpo inserido no mundo.

corpo-humano00 O corpo percebe e o mito narra uma interpretação dessa percepção através de metáforas. O mito é a construção narrativa de um corpo em crise que precisa conhecer o mundo que o cerca e encontrar a melhor maneira de se relacionar com ele. As filosofias, feitas principalmente no apartamento entre corpo e mente, cria uma identificação que fragmenta a totalidade humana que, por sua vez, já é fragmentária em sua fenomenologia. Porém, enquanto totalidade, se trata de uma fragmentação cooperativa, seletiva e circunstancial e não essencial como nos quis fazer crer Descartes dividindo-nos em res extensa e res cogitans.

O grande mistério é o soma. Ele não pode ser confundido com um arremedo unitário e identitário chamado pela ocidentalidade de EU. O homem não apenas construiu mitos para entender a realidade a partir de si. Quando partiu de si, partiu do próprio mito que construiu sobre si: o EU.

Para se controlar o corpo, expediente histórico de dominação e subjugo, foi preciso estabelecer uma natureza corpórea controlável por algo que pudesse submetê-la a ordens: a Consciência. A Consciência é a sede do EU, ou até ele próprio em Ato. A Mente, por sua vez, se trata de um palco (o Teatro Cartesiano) por onde a Consciência assiste a realidade de forma a entendê-la. Não há progresso ou sentido sem que essa Consciência possa ser constante para julgar o que se passa na mente.

Mas a mente, esse palco pelo qual “deveria” passar todas as nossas percepções não está totalmente a serviço da Consciência. Na verdade pouca coisa que se passa na mente ou mesmo recebe qualquer tipo de processamento permanece ou passa entre o limiar da Consciência. Consciência não é pensamento: é também saber que estamos pensando e saber que pensamos o que pensamos. A mente faz grande parte do trabalho antes e muitas vezes sem a consciência se dar conta.

Se nosso EU é Consciência, o que é aquilo que pensa sem saber que pensa e pouco se importa se o EU sabe que está sendo pensado ou não? Ou somos e temos outros EUs em nós que fazem grande parte do trabalho, ou nosso EU é um “pau mandado” como se fosse um porta-voz de uma grande corporação, que via de regra, é o último a saber das coisas e só serve como Relações Públicas para o mundo externo.

Se o mito é a história da relação de nosso corpo com o mundo, o mito do EU é uma fábula de mau gosto com vistas a negarmos nossos corpos e submetê-los ao controle alheio, seja esse “alheio” para outrem ou para um fragmento totalmente idealizado de nós mesmos. Somos deuses, semi-deuses, titãs e meros homens que, por conveniência e para efeito de controle, elegemos um Zeus vaidoso e soberbo para sustentar-nos. Somos Legião.

 

O Mito do Eu e a Ação Política

Como pensar o coletivo, a vida em sociedade e o próprio conceito de civilização a partir da pressuposição que o homem aprendeu a assumir diante de si mesmo como constituído de uma unidade monádica autoconsciente que o torna um sujeito político? Ou seja, como pensar o coletivo e a vida em sociedade a partir de um mito que o homem construiu sobre si e que não reflete a natureza multiproteica que o constitui?

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A virada do séc. XIX para o XX marcou o início da descentralização da noção de Eu por parte dos pensadores modernos. De um lado Freud, de outro Nietzsche. Pela tangente Husserl preconiza uma consciência engajada, voltada a partir de uma intencionalidade. Essa intencionalidade, essa visada ao objeto constituindo-o a partir de nossa relação de necessidade com ele, se dá pela superfície que nos identifica como um SI MESMO, mas que encabeça um iceberg que Freud chamou de inconsciente e Nietzsche chamou de pulsões. Eles não se falaram, mas preciso forjar esse diálogo.

O homem civilizado é um animal doente, já que sua hipocrisia lhe preserva na vida social, mas o dota de capacidade de cometer atrocidades e vilipêndios, sendo que muitos com o aval do próprio sistema que o controle e domina. O Eu do homem civilizado foi constituído via castração e recalque, transformando-nos em portadores de um mal estar crônico, como diagnosticou Freud em o Mal Estar da Civilização:

Não é fácil entender como se torna possível subtrair uma pulsão à satisfação. De modo algum isso é isento de perigo; se isso não é compensado economicamente, pode-se contar com sérios distúrbios. Porém,se queremos saber que valor pode pretender nossa concepção do desenvolvimento da cultura, manifestamente temos que tomar em mãos um outro problema, o de colocar a questão: a que influências deve sua origem o desenvolvimento da cultura, como ele surgiu e por que meio se determina seu curso. (apud in GIACÓIA, 2007, p.38)

Nietzsche, por sua vez, desenvolve um raciocínio semelhante, porém em outra direção, colocando a própria origem da Alma (o EU) como resultado de um processo contínuo repressivo de autoviolação e renúncia da satisfação pulsional humana. A pré-história da alma seria, inevitavelmente, toda uma economia das energias pulsionais dentro de uma dinâmica repressiva, criando toda a sorte de degenerescência, incluindo aí o cristianismo.

A ação política em um cenário desses estaria reservada a poucos que usariam o restante como massa de manobra para regimes totalitários e absolutistas. Por outro lado, com o fim desses regimes pós Segunda Guerra, assistimos a globalização de um sistema que se sustenta da renúncia diária da responsabilização humana sobre si mesma.

O Mito do Eu desemboca em inação política a favor de teleologias que se impõem quase metafisicamente para um mundo cada vez mais uniforme e manipulável. Esse mundo provável só é combatido, hoje, por nações do Oriente Médio que negam essa totalização laica, mas permanecem na totalização teológica, fragmentando o homem tanto quanto sempre foi.

Quando o homem decidir a ter seu destino em suas próprias mãos de verdade, ao invés de ver-se castrado para o bem da civilização, ele usará aquilo que o sistema o obriga a extirpar de si como força criadora do destino da humanidade. Só assim poderíamos falar de consciência e ação políticas. Ou seja, ao invés de castrar, adoentar e vilipendiar as pulsões criando autômatos a serem comandados, o homem promoverá a espiritualização de sua força pulsional, reapropriando-a para projetos para seu futuro e para o futuro do planeta. Mas isso só acontecerá quando pararmos de contar a nós mesmos essa fábula de mal gosto chamada EU e passarmos a ser conscientes de que é de nosso corpo que nossa vida emana e é.

 

Referências

CORNFORD, Francis Macdonald. Antes e Depois de Sócrates. Tradução: Valter Lellis Siqueira. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2005.

GIACÓIA JR, Osvaldo. “Sobre Saúde Mental - a natureza proteiforme das pulsões.” Discurso (Departamento de Filosofia da USP), n. 36 (2007): 35-52.

KELEMAN, Stanley. Mito e Corpo - Uma conversa com Joseph Campbell. Tradução: Denise Maria Bolanho. São Paulo, SP: Summus, 2001.

FERNANDES, Sérgio L. de C. Qualidade e Quantidade: a consciência na ciência e na filosofia contemporânea. Ribeirão Preto, SP. Temas de Psicologia, vol.04, nº 2, 1996.

2 comentários:

Atanásio Mykonios disse...

Meu amigo e irmão Gilberto
De fato. Nós criamos uma história de conflitos entre ambas as posições, o essencialismo de um lado e os desdobramentos empiristas, desde os primeiros filósofos gregos. Parece ser politicamente correto assumir um posicionamento intermediário entre as duas formas de compreender o ser humano. Até mesmo os empiristas, travestidos de liberais, na Inglaterra, procuravam o chamado estado de natureza. Parece que todos buscam um ponto de início, alguns o chamarão de ontológico, outros o determinarão de fenomenológico. A fenomenologia, segundo Merlau-Ponty é um modo de colocar as essências de volta na existência. Não há tantos caminhos assim.
Libertar o ser humano dos conceitos do Eu. Sim, concordo plenamente. Essa é uma luta travada desde o início das contendas sobre o próprio EU. Mas, como você bem sabe, um EU é construído, eis que o termo construção é muito caro a Heidegger, que constantemente o utiliza como formação do ser. To build que, de alguma forma, tem ligação com to be. O ser, eis o ponto que para alguns é o elemento fundamental da constituição da nossa cultura. Dizer o ser ou tentar significá-lo para além das condições racionalistas que separaram historicamente o corpo do pensar - a lógica estrutural e instrumental.
Concordo com você também no que se refere aos eus. Somos vários e tantos que nem sabemos quanto somos e de que forma somos, porque ao longo do nosso viver, outros eus se somam novos, de tal modo que não os conhecemos e passamos a conhecê-los e até ficamos surpresos, tanto nós quanto os outros.
Mas, só há um ponto com o qual eu me apego com os mais profundos dos meus eus. Que a libertação desse eu (ou todos eles) só ocorrerá no âmbito da história. Insisto que todas as formas com que fomos sendo feitos são históricas e determinadas pelas relações. Há um processo dialético que nos envolve. Não é possível uma libertação do ser humano sem que possamos compreender o sistema que nos subsume, de forma total. Não é possível imaginar um ser humano livre que não tenha consciência histórica de seu papel no processo social em que ele deve contribuir.
Assim, esse processo deve ser conjunto e não parcial. Devemos nos libertar integralmente, mas sem a ingenuidade de imaginarmos que um ser livre absolutamente não pode ser pensado sem a compreensão da sua totalidade, subjetiva, intersubjetiva, histórica e material.
Bem, acho que é isso o que eu penso.
Forte abraço meu caro.
Vamos nos encontrar em breve
Grego

Anônimo disse...

Olá, achei legal sua proposta, é interessante buscar debater essa dualidade metafísica que assola a humanidade, "ser ou não ser, eis a questão!". Mas no que entendo, essa questão sequer existe, nós nao existimos e o mundo tão pouco existe. Pense o seguinte, somos a soma dos eus de todas as nossas células, mas não as entendemos ou seuqer conseguimos dizer a elas o que tem que ser feito, e também não saberiamos o que dizer! Essas células, queiramos ou não, têm suas próprias consciências, são sencientes tal e qual todo e qualquer ser. Observo que se conseguimos perceber algo é porque esse algo nos percebe também (metafóricamente dizendo, o abismo que Nietszch se enamorava, esse também se enamorava de Nietzsch).
Resumindo a "bagaceira", aonde está na verdade o eu, sendo que esse eu tem que obrigatóriamente sentir e pensar como todas as partes dele? Ou na verdade separamos o eu, como nós nos entendemos, para que nosso ego possa projetar a imagem divina (imagem e semelhança)de si, em vez da ordinariedade do eu plurificado e dessa forma despido de eu?

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