segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Diário de Bordo

Estava na Book Prime, no Shopping Jacareí tomando aquele expresso feito pela vendedora (alias, todas atendem super bem), quando de relance vi um livro intitulado “Planejar Gêneros Acadêmicos”, de Anna Rachel Machado (coordenação), Eliane Lousada e Lília Santos Abreu-Tardelli. Chamou-me especial atenção esse livro, pois ao foleá-lo, percebi que não se tratava daqueles manuais chatos de como fazer uma tese, ensaio, monografia ou coisa que o valha. Eram dicas que ultrapassavam a formalidade de um gênero científico, e que permeavam desde a escolha do tema, pesquisa, formulação e a própria construção da situação de produção. Achei muito interessante e comprei.

Tem um capítulo nesse livro que se chama “A elaboração e manutenção de um diário de pesquisa”, na seção 2, página 23. Uma das autoras diz:

Se você procurar biografias de grandes pensadores e escritores, dificilmente encontrará algum que não tenha mantido um ‘diário’ ou um ‘diário de pesquisa’. É o caso, por exemplo, de Malinowski, Leiris, Morin, Ferenczi e Wittgenstein, Virgínia Wolff, Elias Canetti e tantos outros. Há até um livro que fala só sobre isso (Le journal de recherche, Lourau, 1.988).
Assim, consideramos que é indispensável que, desde o início de seu trabalho, você comece a redigir o seu diário de pesquisa.”

A autora do livro, após uns testes para o leitor responder (eles usam desse expediente para poder fixar bem o conteúdo do texto do livro), faz um apanhado de exemplos sobre vários diários e inclui neles, interessantemente, Blogs como esse aqui. Ela só esquece de mencionar o fantástico diário de Darwin, que ele começou em sua viagem com o Beagle e continuou mantendo vários no amadurecimento das suas idéias que mais tarde transformaria a forma como as pessoas veriam o mundo, os seres vivos e a natureza. Particularmente, estou lendo o livro “As Dúvidas do Sr. Darwin” de David Quammen, da Companhia das Letras, um livro apaixonante que também comprei na Prime, aliás, no mesmo dia.

Nesse livro, fica clara a evolução do pensamento de Darwin e a influência de cada leitura, pesquisa, viagem e troca de correspondência com seus amigos no decorrer da formulação de sua Teoria da Evolução. No entanto, há uma diferença fundamental entre um Blog (que é um diário eletrônico e de acesso a todos) e um diário secreto, pessoal (que também pode ser eletrônico, claro). Além do óbvio (em um, todos podem ler e opinar, enquanto que em outro só você lê), existem características próprias em cada um que valem dar uma pincelada.

Só o fato de sabermos que alguém irá nos ler de forma quase instantânea assim que publicarmos um texto em nosso Blog (mesmo que ninguém leia, claro !) já nos faz filtrarmos muito o que escrevemos. Em geral, não gostamos de nos expor: mesmo que nossos escritos fiquem para nós mesmos, sempre há uma perspectiva de que ele fique para posteridade depois de nossa morte. Penso aqui, com meus botões, que sendo aberto ou secreto, um diário sempre carrega em si a perspectiva de alguém um dia ler. Nunca tive um diário, mas imagino que seja assim. Será que é possível externar algo cuja expectativa seja de somente nós mesmos desfrutarmos ?

Enquanto leio o livro de Quammen, fico imaginando Darwin e seus cadernos de apontamento (ele chamava de caderno A, B, C, D e assim sucessivamente) e as coisas que ele permitia-se dizer. Penso aqui comigo que ele iria queimá-los todos se, ao final de suas escritas, não chegasse ao cerne de seus questionamentos e a uma resposta lógica válida; mesmo que ela atendesse apenas os seus crivos racionais. Teria ele permitido a existência de seus cadernos se sua teoria fosse inverossímil ou pelo menos não convencesse a si próprio ? O que ele fez foi deixar um legado maravilhoso à humanidade; não só sua teoria no exemplar de “A Origem das Espécies”, mas sim como ele a construiu, ponto a ponto; seu raciocínio, através da dúvida sistemática, passando de uma concepção criacionista (sim, ele era graduado em teologia em Cambridge e estudou para ser clérigo presbiteriano), aristotélica por excelência, para, aos poucos, transformar sua cosmovisão em heraclitiana, vaticinando o transformismo de todo ser existente ao longo do tempo. Fantástico observar isso...

O interessante nisso tudo é que ele se utilizava de um caderno estilo telegráfico, e escrevia com erros ortográficos, sem preocupação alguma com gramática ou mesmo pontuação (Quammen, David – 2007). Teria nós, informatizados, de posse de uma possibilidade instantânea de comunicação, permissão consciente de errar ou postar algo sem exaustivas revisões antes em nossos Blogs ? Duvido muito.

O que quero dizer é que muito de nossa espontaneidade é embotada pela perspectiva de sermos criticados no que escrevemos e que a ilusão que construímos de escrevermos somente para nós, num diário pessoal, nos dá maior liberdade de cometermos qualquer aberração, que contudo nos leve às soluções que procuramos em nossos pensamentos. Se não conseguirmos dar cabo do que nos propusemos ao escrever, rasgamos, queimamos ou enterramos antes que alguém leia. Na internet é impossível, milhões de pessoas já podem ter feito repercutir o que você disse antes de você deleta-lo.
 
Está óbvio que Darwin, mesmo alimentando a expectativa de um dia ser lido através de seu diário, preocupou-se apenas com o momento e em objetivar o que estava dentro dele, suas dúvidas, questionamentos, elucubrações e anseios. Até a decisão se devia casar ou não passou por esses magníficos cadernos darwinianos.
 
O fato é que não se pode desprezar a utilidade de um local propicio como celeiro de idéias, mesmo que ele esteja à mercê da crítica contumaz de intelectuais (ou pseudo-intelectuais) prontinhos para derruba-lo. Mas como conciliar a espontaneidade salutar de dizer o que vem a mente enquanto você organiza seus pensamentos e o receio de ser julgado pueril, fútil e descompromissado com seus temas de pesquisa ?
 
Engraçado que eu fiz meu Blog justamente pensando nisso, embora ainda não tenha me dedicado a escrever especificamente sobre minhas pesquisas nas áreas filosóficas. Às vezes penso nele como algo mais pessoal (chegando a postar fotos de meu filho fazendo Bonsai comigo), outras procuro desenvolver algum tema filosófico, porém de caráter mais informativo ou de divulgação do que propriamente uma análise acadêmica. É difícil encontrar o meio termo que não nos leve à superficialidade, mas também não nos exija que nossos pensamentos já estejam prontos. Talvez seja fazendo que se aprende a fazer.
 
De qualquer forma vale o que está escrito logo no começo desse Blog : “A intenção desse Blog é servir como parteiro de idéias, um berçário cognitivo de conceitos e investigações das coisas que nos cercam. Na medida do possível, a partir da repercussão do que é dito, será a base de trabalhos mais profundos em nível acadêmico. Espero contar com a ajuda dos amigos no burilar desse vasto parto contínuo...” – Eu só corrigiria a parte de “a partir da repercussão do que é dito”, pois definitivamente não é isso que me pauta para poder desenvolver um tema, mas um feed-back sempre é bom.

Quem sabe muita coisa mais virá pela frente, pois parece-me que a leitura desses dois livros me abriram horizontes interessantes no sentido de manter e ser mais assíduo em meu próprio Blog.

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