segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Resgate da Razão Filosófica

ondas-quantica As coisas mudaram por certo. De um passado glorioso que logo se tornou sectário e tendencioso, a capacidade humana de pensar-se e pensar o mundo foi cada vez mais direcionada a uma única maneira de pensar. Mas a Filosofia sempre foi filha de seu tempo (conforme nos ensina Hegel), embora a sectarização tenha tentado de todas as formas eternizar formas de pensar que responderam demandas específicas de quem detinha o poder.

Quando a Filosofia perde seu contato com o real e tenta encaixar o real em esquemas globalizantes a partir de pressupostos ideológicos, ela perde seu vigor, sua liberdade e seu aspecto mais fundamental: a geração efetiva de conhecimento.

Nenhum sistema filosófico consegue ou conseguirá esgotar a riqueza e a complexidade do real. Nenhum conhecimento humano será capaz disso. Enquanto a ciência se fragmenta e se especializa na crescente consciência dessa impossibilidade, ao mesmo tempo em que perde seu contato com o humano, a Filosofia se “encastela” nos seus sistemas se colocando cada vez mais distante da realidade. O dilema está posto. O papel da ciência é claro. E o da Filosofia?

Em que direções podemos especular e dialogar com os possíveis rumos que a Filosofia pode tomar para reconectar-se com a realidade trazida fragmentada pela ciência? Ao mesmo tempo em que procura uma construção de sentido para os diversos campos do saber, penso que a Filosofia deva abrir mão de impor uma visão a-histórica, determinando a realidade a partir de pressupostos doutrinários. Isso seria possível?

Embora hoje já seja banal e terreno comum a idéia de que a ciência somente progride em suas fronteiras, ela própria, devido à sua especialização constante, impede-se de progredir e crescer devido à prisão oferecida por seus objetos de estudo. Caberia então, nesse cenário, não só à Filosofia enquanto saber, mas uma “atitude filosófica” dos cientistas, a dedicação à construção de sentidos nessas zonas fronteiriças, oferecendo à humanidade muito mais do que técnica, mas respostas à sua própria condição existencial.

Esse, talvez, seja o resgate, enfim, da Razão Filosófica. A Razão Filosófica no cenário contemporâneo estaria nas abordagens globais através do apelo a interação entre as disciplinas científicas, promovendo um “concerto” epistemológico que as desprendessem de seus próprios interesses e pudessem ser utilizadas em função de uma situação ou fenômeno em seus diversos matizes fatídicos.

Ou seja, ao invés das diversas disciplinas estudarem o ser humano sob seus pontos de vistas e objetos específicos, interagirem sob os auspícios da Razão Filosófica para entenderem melhor o ser humano como um todo, mesmo partindo de suas especificidades. Os cientistas já fazem isso de maneira incipiente (ou insipiente), utilizando dessa mesma Razão Filosófica. Mas e os Filósofos? Vão perder o bonde dessa demanda histórica encastelados em suas viagens metafísicas que partem de modelos alheios à realidade para explicar a realidade? Quanta ingenuidade. E a cada momento vemos a ridicularização da filosofia pelos irresponsáveis.

O discurso filosófico, historicamente, sempre foi chamado a tornar a realidade inteligível, mas não cabe mais fazer isso à moda antiga nos moldes do Filósofo-Rei de Platão. Hoje, essa inteligibilidade da realidade precisa ser construída levando-se em conta a percepção cada vez mais complexa, plural e fragmentada do real, e só será possível abrindo-se em diálogo entre os diversos agentes construtores do conhecimento e não mais tentando encaixar modelos prontos na realidade.

Antes do “deve ser”, é preciso entender “como é”, respeitando-se a visão plural que compõe o sentido do real. E como fazer isso? Vale, para refletirmos, uma leitura para reflexão:

Nos dias de hoje, o remanejamento da questão do sentido a leva [a Filosofia] a assumir uma nova função: a de superar o velho antagonismo com as ciências humanas e com elas restabelecer um diálogo aberto, profundo e fecundo numa perspectiva transdisciplinar de prática suscetível de importar e exportar de uma disciplina a outra ou de um contexto a outro noções, demarches e instrumentos instaurando certa transversalidade das disciplinas segundo um processo indo de um contexto a outro. Deve promover e incentivar, não só as metodologias interdisciplinares através da troca de conceitos, modelos e técnicas de análise, mas uma transdisciplinaridade visando a construir em comum objetos de pesquisa e os instrumentos de pensamento que eles exigem. As ciências humanas nasceram no prolongamento do projeto das Luzes e de uma fé nos progressos realizados pela Razão. Mas definiram seu empreendimento como uma crítica das ingenuidades inerentes à crença num possível domínio ou transparência da história humana por seus sujeitos. Seu papel histórico? Não só mostrar as diversas determinações pesando inconscientemente sobre o indivíduo e o social, mas objetivar as práticas sociais.

Esta perspectiva abre o caminho para que a filosofia passe a desempenhar um papel significativo na reglobalização dos saberes fragmentados, na medida em que permite a utilização de seus recursos para se construir uma representação mais totalizante e adequada de uma situação e que se torna mais receptiva às questões de ética, direito e política e às questões sociais postas pelas ciências humanas, instaurando um diálogo franco e fecundo entre os pesquisadores das diferentes disciplinas. Numerosos são os estudantes de filosofia que manifestam um desejo sincero de aprender psicologia, história, direito, estética, política, economia etc: não querem mais viver o sentimento angustiante de serem acusados de estar fora ou acima da realidade: navegando no céu das idéias.

(JUPIASSU, Hilton. O Sonho Transdisciplinar: e as razões da filosofia. Rio de Janeiro: Imago, 2006. ISBN 85-31-0995-1, p. 10)

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9 comentários:

Daniel Alabarce disse...

só vou ler e comentar o texto depois que você nos der alguma notícia sua!!!!!!!!!!!!!

abraços!

Dr. Ednaldo Cavalcanti disse...

Gostei muito do que você disse, parabéns... fiz um blog recentemente onde estarei colocando alguns estudos que já fiz, sou filosofo tenho 70 anos e sou prof. universitário aposentado, fiz para poder interagir com outros filosofos e não só filosofos mais todos que pensem. Já sou seu seguidor, minha filha me ajuda a mexer aqui! e espero que você possa comentar e me ajudar a crescer também. desde já obrigado!

Dr. Ednaldo Cavalcanti disse...

Acho que há um ponto comum entre nós, é a busca de uma filosofia que fuja dos intricados problemas teórico-filosófico e que se conecte com a realidade que pe muito mais do que nossa mente alcança. Tenho sido criticado pelo que eles chamam de vulgarização filosófica, quando na verdade o que pretnde é crir uma filosofia popular que seja acessível a todos. Voce está dentro do espírito da coisa. Parabéns.

Academia disse...

Muito intessante. Devias publicar com mais frequencia

nelson filho disse...

Oi,gostei muito do que li aqui no seu blog,sou psicólogo e gosto de interagir com outras disciplinas tb,penso que vc deve continuar a escrever no seu blog,se depender de mim vc terá meu apoio assim como um leitor,parabêns e um abraço

José Jr. disse...

Oi...
Gostei bastante do seu blog... se puder dá uma olhada no meu: filosofianaoegrego.blogspot.com

Anonymous disse...

E eu que achava que a filosofia e a ciência não se tocavam... Mas como a Professora Marisa Espada diria: " no mesmo labirinto mas em caminhos opostos".
Muito bem.
Paulo Bilro

JORGE disse...

Muito legal gostei,isso me faz refletir uma coisa,um filosofo é filosofo porque filosofa,ou é filosofo porque frequenta uma academia? Imagina se alguem quisesse dar valor aos fatos sensiveis? e com toda arrogancia dissesse: o que os meus olhos veem são a unica verdade,elas são a medida de toda verdade,seria o mesmo se o sentido voltassem para o cerebro e dissessem: tuas generalizações e suas cordenações são abstratas e meras elocubrações sem nenhuma realidade.Nos não precisamos das tuas reflexoes sobre nossos atos..basta apenas sentir nada mais... Pois bem as ciencias especializadas são como os sentidos :são predominantemente empiricas,experimentais..

Príapo disse...

Muito bom, enquanto filósofo de profissão não posso deixar de louvar quem assim fala. Convido-te a dares uma vista de olhos no meu - www.filosofopriapista.blogspot.com -, uma tentativa de exploração filosófica do mau gosto enquanto último reduto do sagrado e intocável na sociedade contemporânea, que por isso mesmo há que derrubar. Continuarei a acompanhar as tuas redacções. Abraço.

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