segunda-feira, 8 de março de 2010

Dia Internacional da Mulher (O que comemorar?)

Saindo do Terreno Comum

mulher Se a todos vocês não soar estranho o fato de um homem estar escrevendo um texto para o Dia Internacional da Mulher, é simplesmente por que o fato é sintomático da situação a qual vivemos em nossa sociedade. Gostaria, no entanto, que fosse sintomático de novos tempos onde a possibilidade de não ser necessário a celebração de um gênero específico nos mostrasse que estaríamos acima de dualidades ao tratar o ser humano. Infelizmente o sintoma é outro e infelizmente não é agradável.

Tanto o próprio fato de um homem estar escrevendo esse artigo quanto o fato de vocês não se espantarem, circunscrevem-se nos sintomas de uma sociedade que, embora lute cada vez mais para a diminuição das diferenças, está inserida numa cosmovisão maior que nem se apercebe daquilo que pode ser questionado e repensado em termos de modelos. Pensamos todos; homens, mulheres e transgêneros com base no pressuposto epistemológico falocêntrico do mundo globalizado.

A idéia desse ensaio em “comemoração” ao Dia Internacional da Mulher é justamente sair do terreno comum (da distribuição de botões de rosa, chocolatinhos, da exaltação da maternidade feminina, ou mesmo da pregação ideológica de igualdade) para suscitar, filosoficamente, o que pode ser questionado e sentido em relação à condição do feminino em nossa sociedade.

A família, tida como célula máter de nossa sociedade, desde sempre reproduziu em seu bojo os mesmos fundamentos pelos quais a nossa sociedade fora erigida. Porém, assistimos estupefatos a sua reformulação e a queda de conceitos arraigados que tanto nos foi caro em épocas precedentes para que pudéssemos saber onde estávamos e onde poderíamos ir. A sociedade atual, conseqüência direta de valores e conceitos decorrentes de uma forma de Ser baseada no sexismo e na competitividade, tem nos levado à iminência do esgotamento de todos os recursos naturais e éticos, fazendo prevalecer um valor único que determina todas as nossas ações: o individualismo competitivo do macho alfa.

Nesse contexto, pensar o feminino é pensar a sociedade como um todo; pensar na sociedade que queremos; pensar naquilo que nos funda como sociedade e indivíduos; pensar, sobretudo, na questão de gênero e nos valores que podem ser construídos, conservados e repensados na forja de novos olhares que vislumbrem um futuro desejável ao Ser Humano. E esse pensar não pode ser feito por uma única perspectiva, a não ser que ela se coloque acima das dicotomias e, portanto, emergindo a partir da pluralidade e da diferença constitutiva do próprio Ser Humano.

Falo aqui de Ser Humano como categoria existencial de uma espécie única e hegemônica entre todos os seres vivos e cuja característica mais distinta se encontra na riqueza de seu psiquismo simbólico. Essa riqueza constrói valores e direcionamentos em nossas vidas que superam as determinações biológicas inferidas e estabelecem expressões das mais variadas. Aliás, a variabilidade expressiva é uma das bases de toda configuração biológica.

gender Saliento aqui o termo “determinações biológicas inferidas”, pois ao longo da história foi construída a inferência de que a expressividade natural humana fosse ditada pela idéia de uma fixidez natural de suas estruturas biológicas: dominada pela força e predominância do macho nas relações sociais. Hoje, porém, sabemos que o paradigma epistemológico das Ciências Biológicas, traduzido pela teoria mais aceita e corroborada ao longo de 150 anos, subverte essa “determinação inferida” e estabelece como padrão empírico a construção natural constante e aleatória da variabilidade como mola mestra da Seleção Natural. Sem a diversidade natural espontânea, nós e os seres vivos estaríamos condenados à extinção na menor das variações ambientais.

Isso significa que o conceito de gênero como “papel” social fixo com base numa determinação biológica é uma construção meramente histórica, contingente e pressuposta por uma cosmovisão que toma a natureza de cada organismo fixa, imutável e teleologicamente destinada a cumprir um desígnio: isto é, totalmente na contramão da Teoria Científica[i] que amealha o maior suporte comprobatório ao longo do tempo.

Vale salientar, porém, que mesmo substituindo o termo “papel” (que denota uma artificialidade em nossa atuação social) pelo termo “vocação” (que nos remete a uma naturalidade de agir), é plausível considerar que a riqueza do psiquismo humano e a característica de variabilidade própria da reprodução sexuada agem de forma a promover “vocações” das mais diversas; muitas não se alinhando à esperada co-valência entre sexo e gênero.

Portanto, embora estatisticamente possamos inferir que haja uma correspondência entre sexo biológico e expressão da sexualidade, a falta dessa correspondência como julgamento de uma transgressão voluntária não tem respaldo no bom senso e nem é científico, embora a cultura falocêntrica (metafísica) a tome como anomalias a serem extirpadas do convívio social ou mesmo inferiorizadas numa suposta hierarquia.

Ao longo desse breve ensaio usarei termos como SER Feminino e SER Masculino, mas cabe aqui o alerta que esses termos não trazem em si a idéia de uma essência fixa determinada, embora sua transcendência se dê fenomenologicamente. Hoje, independente da construção histórica do conceito de gênero e principalmente frente a evidência de que a natureza é móvel, fluídica e heraclitianamente contingencial, podemos fenomenologicamente identificar formas de ser próprias dos gêneros e transgêneros sem cairmos no reducionismo da categorização. O terreno é movediço, mas como não represento nenhuma linha ideológica específica, embora simpatize com várias, dar-me-ei esse direito.

Que as mulheres, ao lerem esse ensaio, contestem cada palavra nele contida, argumentem a favor do que pensam e, claro, possam também repensar o que pensam: se o que pensam é fruto do que nós homens permitimos e as incentivamos pensar (ou queremos que pensem), ou se é possível a emergência natural de um pensamento que as coloquem, tanto quanto nós, na vanguarda daquilo que pode ser pensado em conjunto, dialogado, a partir da pluralidade própria da expressividade humana.

Só juntos poderemos construir uma visão mais ampla e construtiva de um futuro possível onde a igualdade de condições faça com que nossas diferenças se completem e nos tirem dos lugares comuns, ao invés de nos distanciar ou servir de instrumento oportuno de opressão, exclusão, discriminação, dominação e exploração.

Aos homens, cabe-nos desconstruir a megalomania histórica da última palavra, da conclusão, da determinação autoritária e arbitrária com base numa suposta prevalência natural dada por Deus a Adão, ou mesmo na prevalência natural de que somos dominantes enquanto sexo na maioria dos seres vivos. Cabe-nos até sairmos de cena para que não sejamos mais referência a um pensar genuinamente amplo. As mulheres congregam; chamam-nos naturalmente a pensar com elas. Não porque elas próprias não se achem capazes de pensar sozinhas, mas por que elas, ao contrário de nós homens, conseguem perceber que nada sozinho se basta e, se quisermos pensar além das dicotomias, é preciso ouvirmos todas as vozes em conjunto. É impossível não reconhecer a validade e a superioridade dessa postura em relação à nossa masculina; totalizante, de sentido único e absolutista. Postura essa, na modernidade, incorporada muitas vezes pelas próprias mulheres.

Se quisermos construir uma sociedade que realmente valha a pena existir e valha a pena vivermos nela, precisamos aprender com o feminino o “saber ouvir”; abrir mão da pretensão hegemônica de uma única visão e construir condições de possibilidade para a efetivação da pluralidade como terreno fértil a novos pensares; onde a Competitividade abra espaço à Cooperação, onde o Um abra espaço ao Múltiplo, onde a Ordem Pré-existente abra espaço à Construção do Possível, onde a Oposição abra espaço ao Diálogo e, por fim, onde o SER fixo abra espaço ao Devir planejado sem hierarquias.

 

Desconstruindo

Descontruindo... Pensamos, equivocadamente, a desconstrução como destruição. Desconstruir (não necessariamente em termos derrideanos) é permitir-se pensar as bases que fundam um conjunto de idéias, lançando um olhar crítico sobre essas bases. No entanto, esse olhar crítico, também equivocadamente conotado como destrutivo, é apenas uma decomposição de suas partes para o entendimento do que as ligam ao todo que pretendemos entender. Mais do que decomposição, o olhar crítico pode lançar-se a intuir os sentidos da complexidade que se forma nas contingências e agir para a compreensão de suas variáveis, que muitas vezes só podem ser entendidas em seu conjunto vetorial.

Só entendendo podemos rejeitar ou legitimar. O medo da desconstrução se dá na medida em que nós mesmos não temos claras as bases que fundamentam aquilo que acreditamos. Esse medo está na iminência de nos darmos conta de que muito daquilo a que tomamos como certo e verdadeiro se constitui apenas em um ponto de vista interpretativo, nos dando a responsabilidade de construirmos novos significados e sentidos num mundo que se permite reconstruir e que não seja fixo nem dado pronto de antemão a nós.

Estarmos dispostos a nos conspurcarmos, mesmo enquanto vistos como essências fixas determinadas pelas exegeses tradicionais, é nos darmos a oportunidade de resgatar com legitimidade aquilo que se impõe como verdade acima de interpretações. O medo que impede tal atitude apenas afasta as instituições da realidade, tornando-as anacrônicas e sem serventia ao que se propõem.

Todas essas considerações são trazidas à baila nesse pensar sobre o Dia Internacional da Mulher e se fazem necessárias na medida em que, ao pretendermos inserir os gêneros como co-participantes das decisões que afetem os rumos da sociedade, se torna necessário pensar as próprias bases da sociedade e por quê ainda, nos dias atuais, os não-homens (leia-se não-brancos, não-heterossexuais, não-cristãos e não-proprietário de bens) têm tão pouca participação e voz ativa.

Curiosamente quando algumas mulheres decidiram ter voz e proferiram seus discursos na possibilidade de construir novas bases para um relacionamento igualitário entre os gêneros, o fez além da defesa de causas próprias, inserindo nele a luta de todas as minorias oprimidas pelo modelo masculinizado a que todos nos inserimos. Isso pode nos ensinar muito, inclusive as próprias reações imediatas de setores da sociedade que tentaram destruir (e não desconstruir) as bases epistemológicas desse discurso.

Falar do Dia Internacional da Mulher passa, necessariamente, por falar do movimento feminista que remonta à fundação da própria modernidade ocidental e evoluiu em questionamentos crescentes aos fundamentos que estabeleciam formas prontas e fixas de se encarar a realidade e nosso acesso a ela.

Falemos então sobre essas coisas todas, procurando suscitar novos olhares, novas perguntas, e novas condições para respostas variadas, múltiplas e democráticas.

 

Por que 8 de Março?

fabrica Acostumou-se associar a data de 8 de Março à morte de trabalhadoras nesse mesmo dia do ano de 1857, ocorrida por conta de um incêndio que teria sido criminoso na tentativa de debelar uma manifestação a favor de melhores condições de trabalho das mulheres americanas. No entanto muitos pesquisadores questionam os fatos históricos referentes à instituição dessa data e indagam os verdadeiros motivos que fizeram com que associassem a celebração a esse triste evento. O pior; esse triste evento teria ocorrido historicamente em 1.911 e não foi realizado deliberadamente, nem se relacionava a qualquer greve. Nesse caminho de busca das origens dessa comemoração alguns fatos foram descobertos e, curiosamente, são escamoteados das discussões referentes à comemoração do Dia da Mulher.

Ainda hoje se propaga o mito de atribuir a instituição do dia a esse único suposto evento e até websites de universidades e jornalísticos propagam essa versão mítica da origem da data[ii].

A instauração do dia 8 de Março como Dia Internacional da Mulher marca, segundo Eva Alterman Blay[iii], o:

símbolo da busca de igualdade social entre homens e mulheres, em que as diferenças biológicas sejam respeitadas, mas não sirvam de pretextos para subordinar e inferiorizar a mulher” (BLAY 2001, p.601).

Ou, pelo menos, deveria marcar…

E se trata mesmo de um símbolo, pois em 1.857 não houve nem incêndio nem greve e a data de 8 de Março não se refere ao incêndio ocorrido nos EUA (na fábrica de blusas Triangle Shirtwaist Company) onde teriam morrido cerca de 146 pessoas, dentre elas 125 mulheres trabalhadoras da fábrica. Embora tenha sido causa de comoção nacional, onde no funeral coletivo compareceu mais de 100 mil pessoas, o incêndio ocorreu em 25 de Março de 1.911.

Posteriormente no local do incêndio foi construída a Universidade de Nova Iorque, que segundo Blay possui uma placa lembrando o episódio com os seguintes dizeres:

Neste lugar, em 25 de março de 1911, 146 trabalhadores perderam suas vidas no incêndio da Companhia de Blusas Triangle. Deste martírio resultaram novos conceitos de responsabilidade social e legislação do trabalho que ajudaram a tornar as condições de trabalho as melhores do mundo” (BLAY 2001, p.604)

Não há dúvida que esse fato faz parte de toda uma situação em que a mulher era tratada como ser inferior e se via vilipendiada em seus mais básicos direitos, mas ele não é um fato isolado como parece querer que acreditemos, e sua exclusiva vinculação à data de comemoração do Dia Internacional da Mulher esconde muito mais do que supomos ao voltarmos nossas reflexões para a condição do feminino nessa data.

A ONU[iv] instituiu em 1.975 o dia 8 de Março como símbolo de toda uma luta que se inicia no final do sec. XIX e início do sec. XX de mulheres socialistas do mundo inteiro que se mobilizaram em prol da igualdade de condições políticas, sociais e econômicas em meio a opressão do capitalismo: expressão máxima de uma cultura falocêntrica competitiva que não se contenta apenas na exploração do homem, mas explora e oprime muito mais as mulheres. Segundo Engels:

Hoje posso acrescentar: o primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide como desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher, na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a opressão do sexo feminino pelo masculino.” (ENGELS 1974)

8demarco Vito Giannotti, no caderno do Núcleo Piratininga de Comunicação sobre o dia Internacional da Mulher[v], onde compila uma pesquisa sobre as origens do dia 8 de março, demonstra que por traz da história oficiosa existe uma curiosa constatação: tanto o bloco Soviético quanto o bloco Americano aceitaram um silêncio constrangedor em volta de oficialização desse dia, deixando-se repercutir o símbolo da mesma como exclusivo do incêndio ocorrido no dia 25 de Março de 1.911. Por que?

O fato é denunciado pelo livro de Renée Cote, La Journée internationale dês femmes de 1.984, onde segundo Giannotti ela delimita bem as causas prováveis que fizeram com que o mito se propagasse. O próprio livro de Cote se insere numa autonomia apartidária que não é de interesse nem da estrutura sindical de esquerda, também falocêntrica, e tampouco da ideologia liberal burguesa que, se recusando a aceitar, precisaria legitimizar a luta socialista de mulheres independentes.

Isso mostra bem o espírito do feminino envolto nesse dia, isto é, a luta por causas que independem de dicotomias burocráticas e se insere numa visão mais ampla de reivindicações circunscritas em benefícios cujos donos são os próprios beneficiários e não os que podem concedê-los. Isso pode nos ensinar a todos e tornar, se tudo esclarecido, o dia 8 de Março muito mais significativo que delimitá-lo num evento isolado com realidade inexistente, por mais trágico e simbólico que possa ser.

Portanto, a importância e relevância do dia 8 de Março para a mulher e todo gênero humano que se sente responsável pelos rumos da humanidade, circunscreve-se numa ampla gama de ações, greves, manifestações e lutas ocorridas ao longo do final do sec. XIX e início do sec. XX e que demonstra efetivamente a força da mulher mobilizada em nossa sociedade: acima de partidos, ideologias e reivindicações particulares; mulheres pedagogas que ensinam com seus próprios corpos e engajamento  psíquico a estética de tomarem as próprias rédeas de suas vidas e representarem a luta dos oprimidos como um todo a partir de si.

Cara Zetkin - Rosa Luxemburgo - Alexandra Kollontai

Toda a luta histórica da mulher esteve acima de visões partidárias, e mesmo as socialistas (que foram as que mais lutaram) abriram seus escopos ideológicos (coisa difícil se imaginar em nós, homens) para acolher as reivindicações das mulheres burguesas que lutavam pelo direito a voto sem defenderem a bandeira socialista. Em meio a controvérsias, foram Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai que alinharam o Partido Comunista aos ideais apartidários do sufrágio universal (direto ao voto) para as mulheres, acolhendo as reivindicações de fora do partido na 1ª Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, em Stuttgart, em 1907.

Por ocasião da 2ª Conferência Internacional das Mulheres Socialistas em 1.910, Clara Zetkin propõe então a instituição do Dia Internacional da Mulher, sem propor uma data específica. Entre várias datas em que foi comemorado a partir de 1.910, (19 de março na Europa, 28 de fevereiro ou último domingo de fevereiro nos EUA, 1º de março na Itália e na Suécia, 9 de março em França), em 1914 marca-se pela primeira vez, na Alemanha, o dia 8 de março como dia oficial, o qual é reforçado quando, nesse dia em 1.917 na Rússia, contrariando as orientações do Partido Comunista, operárias tecelãs e costureiras fazem uma greve geral e tomam as ruas de São Petersburgo para reivindicar pão e paz.

Por fim, em 1921, por ocasião da 3ª Conferência Internacional, na URSS, o dia 8 de março é oficializado internacionalmente, fixando-se sem referir-se a um evento específico, mas sim a todo engajamento feminino em busca de uma sociedade mais justa, igualitária e ciente de sua responsabilidade na construção de uma humanidade mais digna de viver no Planeta.

 

A Evolução do Feminismo e a Teoria dos Gêneros

A IMAGEM DO FEMINISMO O Feminismo não se configura em um bloco único de pensamento sistemático sobre a condição feminina. Ele parece traduzir um pluralismo próprio do SER Feminino e isso o torna fascinante tanto quanto o próprio SER Feminino que podemos inferir fenomenologicamente. O Feminismo parece prenunciar o que hoje tomamos como fundamentos da chamada pós-modernidade sem, contudo, se inserir nela como arcabouço epistemológico derivado: ele a antecipou e se delineia numa colcha de retalhos conceituais e numa multiplicidade de abordagens que se unem essencialmente na tentativa de várias mulheres pensarem suas condições frente ao mundo.

Não poderia ser diferente. Na forja econômica[vi] da expressividade do feminino na história, antes mesmo das construções sociais de gêneros, podemos identificar formas incipientes do Ser Feminino que, dentre elas, está o acolhimento da diferença como uma de suas principais características. Se for contingencial ou não, o importante é que fenomenologicamente se firmou assim ao longo do tempo. Negar essa característica como pano de fundo a uma rejeição justificada de algum fundamento metafísico, não esconde sua manifestação histórica a despeito do caráter permanente que esse fundamento metafísico questionável tentasse lhe conferir.

Essa capacidade de acolher e dialogar com a pluralidade, confunde, fascina e desnorteia a “natureza” (histórica) masculina. Nosso raciocínio maniqueísta (de nós homens em sua média) não consegue ou tem sérias dificuldades em aceitar que um discurso possa assumir uma argumentação plausível a partir de uma linha de pensamento sem precisar assumir a totalidade de suas conseqüências ou partir de uma causa final.

Esse aspecto se mostra na insistência dos sistemas de pensamentos absolutistas que, ao não concordarem com as conseqüências de um determinado conjunto de idéias, rejeita seus mínimos conceitos, por mais verossímeis que sejam. Vemos isso na associação do conceito de Gênero às idéias de Marx e Engels, trazendo, por sua vez, a idéia de dissolução da família tradicional e a uma suposta ideologia de liberdade total e irrestrita da vontade humana seja lá em qual direção for.

A questão é a insistência em julgar todo pensamento (ou mesmo um conjunto conceitual em que se pretende discutir uma determinada situação) como ideologia, ao passo que considera sua própria visão acima de preferências pessoais e determinada por instâncias superiores em consonância com uma Verdade Única e acessível somente ao proponente. Definitivamente não é um modo Feminino de pensar. Como haver diálogo com pré-julgamento? Não existe a propalada “ideologia do gênero”, o que existe é uma abordagem que incomoda quem se arvora deter as respostas últimas sobre a realidade e se recusa a abrir-se a um diálogo construtivo com novos olhares possíveis sobre a questão humana.

Nenhum de nós; homens, mulheres e transgêneros, podemos nos arvorar ter um olhar acima de nossos contextos históricos. Nem a pretensa neutralidade científica está acima do olhar contextualizado historicamente do cientista. A antropóloga Cláudia Fonseca[vii] explica esse ponto em um artigo da revista Com Ciência em que diz:

Os estudos feministas da ciência partem da premissa de que não existe produtor de conhecimentos "acima" de seu contexto. E, nesse sentido, trata-se de uma perspectiva profundamente perturbadora que não deixa nenhum pesquisador, nem mesmo os da teoria feminista, a salvo de escrutínio.” (FONSECA 2003)

E isso, ao contrário dessa evidência que nos deixaria de cabelo em pé (homens), não traz grandes problemas às mulheres pensadoras, pois elas agregam, deixam-se escrutinar. Definitivamente temos muito a aprender com elas.

intercultural-image-294x300 Logo, somente a capacidade de um olhar plural e dialogado pode nos colocar acima das contextualizações particulares para que emerja uma visão mais ampla e atrelada a uma realidade observável. O movimento feminista contamina a si próprio com um olhar contextualizado naquilo que fala. Em seu diálogo com o olhar instituído acaba por oxigenar toda a estrutura epistemológica da contemporaneidade para que o olhar humano como um todo ganhe uma amplitude que dê conta das diferenças e das diversas versões possíveis de uma suposta única verdade.

Em seu próprio bojo o Feminismo exercita essa visão plural, acolhendo e absorvendo a diversidade de visão que cada mulher, homem e transgêneros lançam ao mundo num arcabouço conceitual que ganha multicores e não se delimita numa tendência única que não seja a mais antiga busca da própria espécie humana: entender-se mais completamente possível e ao mundo que nos cerca e nos constitui tanto quanto o constituímos.

Os anais históricos registram o Feminismo, enquanto movimento característico, nascendo com a modernidade no sec. XVIII e evoluindo em conjunto com ela até os dias atuais (AMÂNCIO s.d., p. 1). E é sobre as contradições da própria modernidade que o olhar Feminista irá se focar desde sua primeira manifestação.

A primeira batalha das mulheres sob a bandeira de um conceito razoavelmente organizado se dá na busca de sua inclusão no conceito masculinizado de cidadão; tentando garantir assim seus direitos políticos. Esse fato se dá em 1.791 em França e em 1.792 em Londres, através de publicações que se remontam às origens e fundação do movimento feminista: Déclaration des Droits de la Femme et de la Citoyenne, de Olímpia de Gouges e A Vindication of the Rights of Woman, de Mary Wollstonecraft. (AMÂNCIO s.d., p.1)

A tônica da luta feminina por igualdade de direitos a partir de então se dará nos âmbitos civis e políticos, ganhando no séc. XIX páginas direcionadas ao direito ao sufrágio e participação nas decisões políticas que afetem a todos. O movimento pelo direito ao voto, podemos dizer, foi o primeiro marco do movimento feminista. A instituição do Dia Internacional da Mulher, proposto por Clara Zetkin em 1.910, tinha como principal objetivo canalizar os esforços em torno do sufrágio universal e seu direito garantido para todas as mulheres. (VIVAS 2005, p. 18)

O sec. XX irrompe com muitas lutas organizadas e consciência política ditadas em grande escala pelos ideais de esquerda sem, contudo, excluir as mulheres de orientações políticas divergentes. Juntas lutaram e se acolheram na busca de melhores condições de trabalho e do sufrágio em grande parte do mundo, na Europa e na América, até pelo menos o período das Grandes Guerras Mundiais.

O movimento feminista arrefeceu-se no período entre guerras, muito ditado pelas irreconciliáveis posições pró e contra a guerra que polarizaram as reivindicações femininas. Segundo a literatura a respeito, nesse ponto cessa-se a primeira vaga do movimento feminista que iria ressurgir apenas na década de 60 e 70. (AMÂNCIO s.d., p.2)

O período pós-guerra encontrou mulheres em que o mercado de trabalho já as havia incorporado (embora ainda com diferenças salariais em relação aos homens, que persiste até hoje) e um nível de instrução bem mais elevado que as médias dos anos precedentes. Segundo Lígia Amâncio, aliado a esse fato houve um forte recuo na situação das mulheres, causado, sobretudo, pela desmobilização dos homens com o fim das guerras:

Esses fatores contribuíram para a tomada de consciência da distância que separava a cidadania, consagrada à face da lei, da autonomia das mulheres, enquanto indivíduos.” (AMÂNCIO s.d., p.2)

É nesse contexto que Simone de Beauvoir publica O Segundo Sexo, de 1.949; livro que analisa e denuncia as raízes culturais da desigualdade sexual e lança os fundamentos que delinearão o que mais tarde se chamará Teoria Feminista, escrevendo:

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino.” Apud in (VIVAS 2005, p.19)

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Esse arcabouço teórico e conceitual lançado por Simone de Beauvoir no final dos anos 40, a partir das décadas de 60 e 70 tornou-se multifacetado e base para diversas bandeiras que ora convergem em lutas comuns, ora divergem em cosmovisões distintas entre as próprias mulheres. A grande colcha de retalhos resumida na questão da Liberdade da Mulher ultrapassa as antigas reivindicações de simples emancipação. A mulher quer ser livre para ditar seu destino enquanto sujeito histórico e não apenas se equiparar obrigatoriamente ao homem.

Essas multifaces que o Feminismo assume faz com que os detratores mais veementes atribuam a ele apenas as vertentes mais polêmicas, generalizando a crítica e formando opinião pública com base no obscurantismo de seus discursos maniqueístas.

A questão do gênero/sexo como constituinte do arcabouço comum de todas as vertentes do Feminismo moderno não leva necessariamente às conseqüências que a luta de cada vertente empreende como forma de agir na mudança social e na inserção da mulher em seu direito de liberdade.

 

Conclusão (provisória)

A Mulher é mulher na pós-modernidade?

A pós-modernidade e a própria genealogia do niilismo focada por Heidegger a partir da obra de Nietzsche desembocam em noções que afirmam que vivemos na contemporaneidade a falência dos sentidos. Se julgarmos a contemporaneidade como a época em que os sentidos entraram em ruína, isso significa que temos a crença em algumas coisas das quais destaco:

  • Que exista ou deveria existir um sentido único, histórico e absoluto o qual temos que nos adequar para pautarmos nossa vida, sem o qual o diagnóstico possível será o da falência dos sentido;
  • Que exista uma autoridade acima de qualquer suspeita, infalível, que tem como função interpretar e dizer o que significa esse sentido único e absoluto para a humanidade.

A contemporaneidade, com a pós-modernidade, questiona esses pressupostos, mas não prescreve que exista um sentido a ser substituto desse que ruiu, e tampouco decreta que não deva existir sentido nenhum.

A modernidade, por outro lado, nasceu sob o signo da superação; o que significa que exista um sentido que possa substituir aquele que dominava a metafísica ocidental. O novo sentido, signo dessa superação pretendida, é a ciência e a racionalidade que substituíram e absolutizaram da mesma forma a realidade, organizando e hierarquizando as coisas conforme um olhar de sentido único.

Sendo antigo, medieval ou moderno, sempre houve um sentido único que pautou a forma de se ver o mundo e de nos relacionarmos com ele. E esse sentido, ou esses sentidos, historicamente, sempre estiveram ligados a um discurso hegemônico de dominação e controle que traduzia uma visão quase que exclusivamente masculina de como as coisas deveriam ser. Hoje, parece-me ser a globalização sob a égide capitalista.

igualdade-de-genero3 Porém, ao invés de pregar a falência dos sentidos, a pós-modernidade rejeita a existência de um único sentido e de uma autoridade acima de qualquer suspeita que possa decretá-lo ou mesmo interpretá-lo hegemonicamente.

Com isso ela requer de nós que tomemos a responsabilidade de construirmos outros sentidos com vista ao que o gênero humano, como um todo, entende que deva ser feito para vivermos melhor. Para isso, o discurso masculino de controle, da conquista, da competição, da submissão e da ordem precisa ceder espaço para a outra força histórica que, na ausência de um sentido norteador das coisas como devam ser, assumiria conjuntamente a responsabilidade na construção de nosso futuro e de novos sentidos.

O homem já mostrou do que é capaz. Nossa religião, nossa política, nosso sistema econômico, nossa maneira de ver o mundo, estão nos levando cada vez mais rumo à nossa própria destruição. Tudo isso devido ao medo de dar espaço para ouvir o que nos é diferente. Medo, sobretudo, de perceber que o que tomamos como diferente, não é diferente “naquelas” diferenças que criamos para submetê-lo ao nosso domínio. São sim diferentes, mas são diferentes pelo que eles são, e não pelo que determinamos que eles sejam a partir de nossas conveniências. Permitir que a percepção dessa diferença seja co-participativa com o próprio diferente nos enriqueceria a todos.

A luta das mulheres, nesse contexto, circunscreve-se na luta por mostrar a nós e ao sistema masculinizado de ver o mundo como elas próprias enxergam a sua própria forma de serem diferentes. E para isso, elas precisam exercer plenamente sua liberdade e a igualdade irrestrita de direitos em nossa sociedade.

Reforçando: que a diferença, mesmo existente e valorizada, seja a que emerja na própria relação entre homens, mulheres e transgêneros, e não as diferenças que um gênero decreta no outro com fim de controle, domínio ou mera distinção conveniente. Decretar o que um ser humano é baseado em determinações biológicas é escamotear várias compreensões possíveis do que seja o próprio Ser Humano: uma gama rica de possibilidades expressivas que deve ser pautada por sua vocação em ser como é, e não por papéis decretados por uma visão hegemônica unilateral.

Mas não teria nexo, portanto, ser um homem ou “o” homem o porta-voz dessa construção. É no diálogo sincero, aberto e sem predominância discursiva entre homens, mulheres e transgêneros que se faz possível a construção de novas bases para se tentar o “novo” que nos garanta uma convivência saudável e tolerante. É, sobretudo, na ausência de medo dessa falência de sentido que podemos construir novos sentidos que valham à pena lutar e preservar. Eis o grande remédio contra o niilismo. As mulheres sempre estiveram dispostas ao diálogo. E nós, estamos? Quando estaremos? Infelizmente, parece que dependemos até nisso das mulheres.

Dois fatos recentes podem ser destacados ao longo do último ano que nos remetem a reflexões sobre isso que trago nesse breve ensaio: o caso da garota da UNIBAN e o caso da Cerveja Devassa com a Paris Hilton.

De um lado assistimos o vilipêndio e a intolerância contra alguém que foi decretada como “fora de contexto” em um determinado grupo cuja uniformização de comportamento esperada causou uma catarse típica da moral de rebanho: a que expurga com violência aquilo que não deseja para si, precisando que o outro também não deseje para afirmar sua certeza. De outro, assistimos o mesmo mecanismo repressor do qual as mulheres historicamente lutaram contra sendo usado como instrumento de repúdio ao que não concordam. E o diálogo? Passou à largo nos dois episódios. Senão vejamos:

Que a forma que a menina da Uniban se veste e se porta não é de libre escolha de uma mulher consciente e construtora de seu próprio sujeito histórico, isso é fato. Mas nada nem ninguém pode obrigá-la a ser o que um bando de frustrados, reprimidos e arrebanhados determine o que ela tem de ser, ainda mais demonstrando violência, vilipêndio e intolerância com o diferente.

Que o uso da imagem feminina feita pela marca da Cerveja Devassa reforça a instrumentalização da mulher e incentiva o sexismo e a exploração, é fato. Mas é um contra-senso uma censura que nada esclarece e sim até favorece, via polêmica, a intensão marqueteira da empresa. Seria hora das associações femininas que viram na propaganda o reforço daquilo que sempre lutaram contra, reivindicar espaços para discussão e diálogo esclarecedores no seio da polêmica, e não gerar a polêmica em uma atitude autoritária que vai contra tudo pelo que lutaram historicamente. Com certeza, a associação que conseguiu retirar a propaganda do ar junto ao Conar agiu a partir de uma estética bem masculina.

Por fim, que se abra a oportunidade de abrirmos mão de determinar esse Ser Feminino de acordo com o que precisamos para controlá-lo e dominá-lo na opressão milenar de que é vítima, e possamos dialogar com ele para conhecê-lo de fato naquilo que é diferente e naquilo que pode oferecer para sermos todos mais humanos, e não simples homens, mulheres e transgêneros, mesmo tomando-nos todos como diferentes. E viva a diferença…

Parabéns às mulheres que nos abrem o caminho para esse diálogo enriquecedor, tornando-nos todos mais humanos.

 

 

Bibliografia de Referência Consultada

AMÂNCIO, Ligia. “Verbete FEMINISMO.” Dictionary of Moral and Political Philosophy. Edição: Instituto de Filosofia da Linguagem. FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia. http://www.ifl.pt/main/Portals/0/dic/feminismo.pdf (acesso em 25 de Fevereiro de 2008).

BLAY, EVA ALTERMAN (2001). 8 de março: conquistas e controvérsias Revista Estudos Feministas [online]. , 9, 601-607 : 10.1590

COTE, Renée. La Journée internationale dês femmes ou les vrais dates des mystérieuses origines du 8 de mars jusqu'ici embrouillés, truquées, oubliées : la clef dês énigmes .La vérité historique. Montreal: Les éditions du remue ménage, 1984.

ENGELS, F. A Origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1974.

FONSECA, Claudia. “Estudos da ciência na ótica feminista.” Com Ciência. SBPC/Labjor. 10 de Dezembro de 2003. http://www.comciencia.br/reportagens/mulheres/12.shtml  (acesso em 25 de Fevereiro de 2009).

GIANNOTTI, Vito. “O Dia da Mulher Nasceu das Mulheres Socialistas - As origens do 8 de março.” Cadernos NPC. PDF - http://www.piratininga.org.br/publicacoes/mulher-miolo.pdf  Rio de Janeiro, RJ: Núcleo Piratininga de Comunicações - NPC, 2004.

VIVAS, Michele Abreu (2006). “Literatura Mulherzinha”: a construção de feminilidades nas tirinhas da série Mulheres Alteradas de Maitena - Dissertação de Mestrado PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO - PUC-RIO Other: 0310751/CA 

 

Notas

[i] Teoria da Evolução de Charles Darwin.

[ii] Veja, por exemplo, no site da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Lisboa (http://www.eselx.ipl.pt/ciencias-sociais/Temas/direitos_mulher/) e no Jornal do Comércio On Line (http://jc.uol.com.br/tvjornal/2008/03/06/not_147384.php) exemplos do mito sendo reforçado.

[iii] Eva Alterman Blay: Prof.ª Titular de Sociologia da Universidade de São Paulo. Coordenadora Científica do NEMGE (Núcleo de estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero) da USP. Autora de Trabalho Domesticado - a mulher na indústria paulista (Ática, 1978); As Prefeitas, Avenir (s/d), e outros livros e artigos sobre gênero, habitação operária, participação política. Foi Senadora da República entre 1992/1994.

[iv] Entre no site da ONU para ler a história dos fatos que culminaram na origem do dia 8 de Março: http://www.un.org/events/women/iwd/2006/history.html

[v] Acesse o caderno em http://www.piratininga.org.br/publicacoes/mulher-miolo.pdf

[vi] O termo “econômico” utilizado nessa frase refere-se à expressividade segundo a lei do menor esforço, observada na natureza, onde sistemas abertos de troca de energia debelam a 2ª Lei da Termodinâmica (a entropia) rumo a uma maior complexificação da organização da vida. Portanto não se refere às Ciências Econômicas.

[vii] Professora no programa de pós-graduação de antropologia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

10 comentários:

comecar de novo disse...

ADOREI A LEITURA E COMO VC JÁ DEVE SABER FOI OTIMO PARA PESQUISA ESCOLAR TBM .PARABÉNS!!!

XP disse...

Nossa, que legal esse artigo. 00' Muito bem escrito MESMO. Ainda não li ele inteiro, mas depois vou passar aqui e ler tudinho.

Zedosbosques disse...

Muito bom. Parabéns!

Unknown disse...

Será?
... autoritária e arbitrária com base numa suposta prevalência natural dada por Deus a Adão, ou mesmo na prevalência natural de que somos dominantes...

Depende da interpretação,não é mesmo, caro Miranda? Pensa bem! Se não fosse para o homem ser coadjuvante não seria dado à Eva responsabilidade de "pecar" rsrs... E, levar o pobre Adão de roldão...Sem tempo nem para pensar... Ou não??

Gostei muito, do seu artigo. Parabéns!

Angelillo disse...

Caramba, desconocía la cita de Engels, sobre el género entendido como primera opresión previa a la lucha de clases. Qué interesante.

Un artículo excelente...
De dónde sacas tiempo para escribir tanto?

Gilberto Miranda Jr. disse...

Meu caro Angelillo, não é tempo que determina essas coisas, é necessidade kkkkk... Grande abraço...

Infra-Red Belt disse...

hahah

Queria comentar sobre o artigo, mas o comentário do Angelillo foi inesperadamente engraçado. :)

Mas ao assunto em questão: legal, muito mesmo. Suscitou várias novas reflexões em mim, alem de trazer novos elementos para se pensar. Fiquei (bonamente) surpreso com a investigação que vc fez sobre a significação do 8 de março. Não fazia ideia... E outra. Cheguei a conclusão que, no final do seu texto, as expressões como "nós, 'homens'" ou "as 'mulheres'" adquiriram um sentido completamente relativizado. Mas não improdutivo ou inócuo, como poderiam pensar alguns. É um "conceito vazio" no sentido de convidar o leitor a preencher, a conceituar, construir e a ressignificar. Melhor ainda - a preencher-se, conceituar-se, construir-se, reinventar-se e ressignificar-se perante essas expressões, que - descobrimos ao final da leitura - não fazem sentido presas no tempo e no espaço e estão obsoletas enquanto um conceito fixo e imutável.

Anônimo disse...

Vou colar oq disse em comunidade do Orkut, a qual este link foi postado:

"A intenção do artigo é boa, porém cheia de esteriótipos. Não acho que as mulheres sejam mais adeptas da igualdade eqto os homens egocêntricos em geral, até pq há muitas mulheres racistas e homens contra o racismo, mesmo a maioria desses sendo machistas."

K. Alice

Gilberto Miranda Jr. disse...

Prezada Alice,

Como vai, tudo bem? Primeiro gostaria de agradecer muito seu comentário. Quem escreve se alimenta dos pareceres e dos vários entendimentos e sensações que suscita com seu discurso; mesmo que esses pareceres e entendimentos não sejam, necessariamente, aqueles que ele espera ou mesmo que não estejam conforme suas intenções quando escreveu.

Infelizmente fica difícil até para que eu possa estabelecer uma autocrítica do que escrevi quando o parecer não é específico, como parece ter acontecido quando você simplesmente decreta que meu ensaio esteja “cheio de estereótipos”. Por conta disso, embora tenha escrito no ano passado e me senta mudando ao longo do tempo, debrucei-me em meu texto novamente para tentar identificar onde estariam esses estereótipos. Essa, inclusive, foi uma preocupação minha ao longo de todo esboço que fiz antes de publicar.

A certa altura do texto eu alerto: “Ao longo desse breve ensaio usarei termos como SER Feminino e SER Masculino, mas cabe aqui o alerta que esses termos não trazem em si a idéia de uma essência fixa determinada (...). Independente da construção histórica do conceito de gênero e principalmente frente a evidência de que a natureza é móvel, fluídica e heraclitianamente contingencial, podemos fenomenologicamente identificar formas de ser próprias dos gêneros e transgêneros sem cairmos no reducionismo da categorização.”

Se entendermos que um estereótipo é uma categorização generalizada tomada como essência de uma coisa, parece-me (ao menos nesse trecho) que deixo bem claro que estou falando fenomenologicamente sobre como nós, enquanto gêneros, nos expressamos na história. Não falo nem de um dever-ser, nem tampouco de alguma essência anterior à nossa história que nos faça ser assim ou assado.

Ou seja, historicamente, contingencialmente e, principalmente, fenomenologicamente, um metafórico Ser Feminino se expressou com algumas características marcantes ao passo que um metafórico Ser Masculino se expressou com outras características. Mais do que a igualdade possível e necessária conceitualmente, faz parte do feminismo (como você deve saber) salientar e resguardar o direito à diferença, desde que isso não se torne determinações sociais ou funcionais para a relação entre os gêneros.

A meu ver, eu teria reforçado os estereótipos se, a partir das diferenças visíveis e cientificamente demonstradas, houvesse uma intenção hierarquizadora, concorda? Mas falemos mais, isso é demais importante...

Eu postulo que existam diferenças biológicas tanto em níveis fenotípicos quanto em níveis químicos. Essas diferenças desembocam em diferentes posturas, comportamentos e, conseqüentemente, formas de ver o mundo. A partir dessas diferenças o ser humano constrói representações que passam a determinar as relações sociais entre os seres. É nessa segunda parte que o problema do estereótipo acontece. O estereótipo é a essencialização de uma representação histórica, contingencial e completamente imersa em jogos de interesses para certas hegemonias e poderes. E isso acontece mesmo que na origem exista de fato uma diferença biológica.

Acabar com os estereótipos não é acabar com as diferenças. A própria igualdade é um estereótipo também. Valorizar as diferenças além dos estereótipos é garantir a pluralidade e a diversidade como arcabouço germinativo de relações sociais renovadas, onde a diferença não seja representada como oportunidade para hierarquizar essas relações.

..cont..

Gilberto Miranda Jr. disse...

..cont..

Quando tive a oportunidade de pesquisar o movimento feminista me deparei com uma característica que jamais vi em grupamentos dominados pelo controle masculino. Se isso faz com que esse fato se torne histórico é porque por trás dele há uma origem biológica que o determina em certa medida. Achados arqueológicos anteriores ao neolítico (o neolítico é predominantemente patriarcal) dão conta de grupamentos matrilineares onde a maioria das mortes era por causas naturais, ao passo que nas civilizações patriarcais a maioria das mortes trazia como causa atos violentos.

Não muito longe de nós, com 98% de proximidade genética, assistimos duas sociedades primatas diametralmente opostas que nos mostram bases relacionais distintas: a dos Bonobos e a dos Chimpanzés. Os Bonobos, matrilineares, são uma sociedade mais cooperativa, menos violenta e que abriga a diversidade expressiva de seus integrantes para gerir as tensões sociais. Os Chimpanzés, patrilineares, são uma sociedade extremamente competitiva, violenta, de rigidez hierárquica onde a unidade de comando do macho alfa abafa e suprime as tensões sociais pelo controle e o medo.

Se isso não for bastante para postular diferenças possíveis entre os gêneros, recorramos à própria história. Partidos, facções, movimentos de cunho masculino, historicamente, sempre foram excludentes e discriminatórios. O movimento feminista em seu início teve o grande desafio de seguir esse modelo masculino de agremiação que historicamente sempre deu certo ou procurar seu próprio caminho. Contingencialmente a resposta feminina foi diametralmente oposta. As mulheres socialistas abrigaram as burguesas na reivindicação do sufrágio universal (direito ao voto), abrigaram os gays e lésbicas, abrigaram atéias e religiosas, e conviveram desde o início com uma diversidade desconcertante que desnortearia qualquer machinho (estereotipado ou não)... Isso não nos trás uma característica de “saber ouvir”? Se essa característica é determinada historicamente pela opressão masculina, é uma tese que podemos investigar. Mas o fato é que ela existe e é ela que trago como um aspecto do Ser Feminino.

Minha tese é que essas características, longe de ser uma “essência” da mulher, é a forma como elas se expressaram, e nessa forma reside grande parte da solução (ou ao menos um encaminhamento plausível) para a maioria dos problemas que a civilização enfrenta hoje.

Esse ponto de vista, penso eu, longe de ser uma “obrigação” da mulher em ser assim ou cumprir qualquer determinação, constitui a constatação de um Ser histórico que identifico no texto, e no meu modo de ver, não se trata de um estereótipo.

Mas veja bem, Alice, minha nova amiga (gostaria muito que pudéssemos ser), eu compreendo o seu entendimento e seu parecer. Há de nos alertarmos para isso constantemente. Nos extremos de um sujeito histórico, as diferenças são estereotipadas. Na relação mais próxima, no dia a dia, na proximidade mesmo da carnalidade do mundo da vida, não há qualquer sustentação para diferenças e determinações quanto à papéis sociais.

Talvez, e alimento essa esperança, sua impressão seja aos poucos diminuída se você tiver paciência de ler outros artigos sobre o tema que tenho no blog. Te indico esses:

http://blog.gilbertomirandajr.com.br/2009/02/contestando-papeis_25.html - Contestando Papéis
http://blog.gilbertomirandajr.com.br/2010/03/o-misterio-feminino.html - O Mistério Feminino
http://gilmirandajr.tumblr.com/post/442749092/critica-a-heterocentralidade - Crítica à Heterocentralidade

E por favor, não perca o contato, você me fez pensar muito...

Bjs...

Miranda

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