quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Moralidade e Verdade

Reflito sobre uma leitura que fiz de Habermas:

Por outro lado, a verdade de uma proposição expressa um fato, no caso dos juízos morais não há nada que equivalha à afirmação de que um determinado estado de coisas ‘é’. Um consenso normativo, formando em condições de participação livre e universal no contexto de um discurso prático, estabelece uma norma válida (ou confirma sua validade). A ‘validade’ de uma norma moral significa que ela ‘merece’ o reconhecimento universal em virtude de sua capacidade de, por meio da razão somente, obter o consentimento da vontade daqueles a quem se dirige.” (HABERMAS 2007, p. 65-66) [i]

habermasCom isso ele diz que a única forma de substituir a referência ontológica a um mundo objetivo é, em nós, na qualidade de pessoas morais, afirmarmos os sentidos morais por meio de uma construção conjunta, dialogada. Eu concordo com ele e com o sonho de uma democracia plena que nos dê livre acesso à construção conjunta do discurso racional que escolheremos permear nossas vidas e nossos destinos.

Porém e, infelizmente, isso me soa utópico. Enquanto houver aqueles que delegam a outrem o seu co-pertencimento à sociedade, enquanto houver alguém que aliena as decisões sobre sua vida e deixa-se oprimir para ser representado por grupos, associações, clubes, governos e ideologias, sempre haverá uma referência ontológica para a moral e para o mundo objetivo.

São esses grupos que determinam as coisas como devem ser e as pessoas como devem ser e agir. Eles determinam o espírito, o fundamento e a finalidade do mundo de acordo com seus interesses; inclusive dando respaldo metafísico para isso. Eles contam não só com a alienação das consciências individuais a seu favor de forma voluntária, mas usam de seus instrumentos coercitivos para angariar quem se aliene a favor de suas idéias, excluindo e discriminando quem não concorda ou pensa diferente.

Não se trata aqui de derrubar todas as morais. Trata-se de uma crítica profunda em busca dos fundamentos morais que abraçamos por coerção e que não tiveram o crivo racional que lhes dão respaldo em sua validade. Essa ampla discussão que pode reconstruir nossa sociedade pode acontecer sem que tenhamos que passar pela barbárie. É essa a proposta.

Quem está acomodado, confortável e se constitui mero “papagaio” moralista e moralizador, lutará contra isso. Pudera, como ousaríamos colocar esses, que optaram por alienar suas responsabilidades para consigo mesmos, de frente, novamente, para si? Ousadia, empáfia...

Para Habermas o discurso é necessariamente ético quando se dá a partir de uma busca cooperativa da verdade. Portanto, aquele que quer impor a verdade através da alienação do outro, conotando essa verdade de maneira ontológica e não discursiva, está sendo antiético.

É pelo discurso ético que se procura a conciliação entre instâncias normativas idealizadas com as condições objetivas de sua aplicação, procurando via consenso as normas pelas quais a sociedade se pautará. É pela ação cooperativa através do Agir Comunicativo que uma sociedade evolui. Mas para isso é preciso educação; que constitui e forma a autonomia da vontade.

Logo, abre-se mão de referências ontológicas, embora o discurso possa procurar justificá-la, em nome da cooperação mútua em busca da verdade. Não há nada mais ético em minha opinião.

Obra Consultada

HABERMAS, Jürgen. A Ética da Discussão e a Questão da Verdade. Tradução: Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2007.

 


[i] Transcrição dos comentários feitos por Habermas sobre seu livro Verdade e Justificação no Centro Pompidou no dia 31 de Janeiro de 2001 – Construtivismo Moral.

2 comentários:

Angelillo disse...

Completamente de acuerdo, Miranda...
A pesar de sus buenas intenciones, la ética discursiva me resulta completamente utópica, quizás válida para pequeños grupos pero ineficaz de cara a una sociedad entera. Aún así, me parece un esfuerzo útil (en el fondo mis clases a adolescentes siguen su modelo).
De cualquier forma, es igualmente ideal pensar que vamos a alcanzar un acuerdo intersubjetivo con solo formar unos buenos medios para la comunicación entre los individuos. Bien puede ser que muchos problemas éticos no tienen solución no por no querer alcanzar un consenso, sino porque parten de posturas ontológicas diferentes.

É muito bom poder leer de novo filosofia brasileira!
Saludos...

Gilberto Miranda Jr. disse...

Prezado amigo Angelilo, não sabe como me alegra tê-lo também de volta nesse Blog depois de tanto tempo sem meus posts. Espero não demorar mais tanto tempo para postar. Houve umas mudanças na vida deste teu amigo e tive que me readaptar a horários, acessos e prioridades.

Lendo seu comentário, quase sou forçado a pensar que não nos resta muito a não ser tentativas utópicas que garantam um movimento constante de consciência e da sociedade. Quando no deparamos com as mazelas do iluminismo racionalista vemos que não existe, necessariamente, um movimento vertical ou progressivo. Mas é preciso, porém, persistir no movimento; seja ela horizontal ou até regressivo.

Que não voltemos, porém, à barbárie. Mas que possamos recuar até que desconstruamos essa “ontologização” do real e passemos a encará-lo de forma mais dialogada e plural. Aliás, como nós mesmos fazemos em nossos BLOGs.

O caminho, seja utópico ou não, parece-me ser o da crítica. Provocar crise (do grego Krino; ruptura, rachadura) é descer aos fundamentos para termos noção do que as coisas são e não são constituídas, mas sabendo que somos nós quem as constituímos. Essas constituições não carregam nunca uma “função em si”. Sempre estará em jogo a circunstância como constituinte do real somado a um ato intencional.

Ao final de seu comentário veio-me uma boa dica: a pretensa necessidade de se partir de posturas ontológicas. Por que precisamos disso?

A sociedade já nos deu toda a seguridade possível. Se hoje alguém diz que seria melhor no estado selvagem que no civilizado, o faz porque no estado selvagem o indivíduo era responsável por si e pelos outros e se colocava funcionalmente inserido no mundo. Mas essa diferença não é ontológica. Se nossos atos intencionais se voltarem para essa característica, poderemos fazer uma sociedade segura e que nos requeira a responsabilidade de torná-la melhor.

O grande problema é uma ontologia de que é preciso uma “mão invisível” para nos amparar e que não temos responsabilidades pelos movimentos coletivos e sociais. Não há necessidade de consenso, mas de diálogo franco, aberto e sem ontologias determinando um dever-ser que submete o outro aos interesses de poucos. Até a força é circunstancial e não ontológica, como sabemos.

Muitos saludos à filosofia, amigo!!!! Seja sempre bem vindo...

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