domingo, 20 de fevereiro de 2011

Consciência e Sociedade

mente-humana Penso que as funções e papéis sociais humanos possuem respaldo em uma instância que se estabeleceu como se fosse metafísica, porém baseada nos jogos de poder que estabelecem valores para pautar a vida humana. Essa coerção, pela exclusão que provoca, pode ser muito mais forte que uma determinação física, química ou genética como, por exemplo, das formigas. Quem de nós não conhece pessoas que foram operárias no grande ABC em São Paulo durante 30, 40 anos? A própria consciência de classe promovida no advento do socialismo acaba por determinar as pessoas em gavetinhas sociais intransponíveis.

É claro que podemos entrar em outros meandros aqui, pois dentro de uma determinação teleonômica social, existe uma verticalização das possibilidades: aquele que não quer ser operário terá de ser patrão. Mas a natureza, fora da tipologia e da especiação, possui uma diversidade horizontalizada que não vemos nos seres humanos por mera determinação social. Queremos ser espelhos da natureza, mas nos verticalizamos como formigas, exceto pelo fato de podermos ser rainhas, mas nunca uma vespa...

A Mente como Epifenômeno

Eu tenho algumas restrições quanto a definição de uma mente como epifenômeno. Na verdade, a partir de meus estudos das questões teleonômicas levantadas por Jacques Monod, penso que seja necessário redefinir o conceito de epifenomia.

Quando aceitamos que algo é um epifenômeno é porque ele se constitui apenas em um acidente de uma rede complexa de causalidade fora dele. Mas isso não exclui, a meu ver, que esse epifenômeno possa se tornar causa ou influenciar o que lhe antecedeu. Falo isso não só porque é uma conseqüência lógica, mas porque também tenho a tendência em admitir certo livre arbítrio em nós.

O problema é que ao defender isso, logo toda a carga ideológica nas costas do conceito de “livre arbítrio” (que é outro conceito que precisa ser revisto) leva o interlocutor a pensar que estamos defendendo transcendentalismos ou instâncias metafísicas. Não é o caso, ao menos comigo...

Segundo a definição de epifenômeno, se esse for o caso da mente humana, ela não tem poder causal para nossas ações. Caberia assim, à mente, apenas encontrar razões suficientes que nos convençam de que a decisão que tomamos tenha um sentido e se justifique frente à noção de totalidade que temos de nós mesmos.

cerebro Embora eu defenda a possibilidade de um arbítrio consciente para nossas ações, ainda sim é difícil de não reconhecer que muito do que pensamos ou discursamos se trata apenas de justificativas para coisas que acreditamos sem depender de nós, mas que de alguma forma foi incutida ou veio e se instalou fora de nossa consciência.

Se o que chamamos de nous ou ratio está a serviço de uma deontologia, então não temos livre arbítrio e nos iludimos que sim. Se, por outro lado, estiver a serviço da criação contínua de deveres construídos a partir de necessidades reais e práticas, então sim poderemos falar que gozamos de certa liberdade para arbitrar sobre nossas ações, crenças e destinos.

Por outro lado, se a TSGN (Teoria da Seleção de Grupos Neuronais, ou chamada também de Darwinismo Neural) estiver certa, a mente tem um duplo aspecto; um epifenomenal e outro consciente, criador, arbitrável.

Pensemos... Em 2 milhões de anos o cérebro humano praticamente dobrou de volume, passando de 800 a 900 cc medido no Homo Erectus para a média atual do Homem Moderno de 1.500 cc. Esse aumento (que ainda não temos uma teoria que possa dar conta de explicá-la em sua totalidade) é fruto de muita especulação fantasiosa.

Não sabemos (já que neurônios não são fossilizáveis) quantos neurônios o Homo Erectus possuía. Mas sabemos que atualmente temos cerca de 100 bilhões deles. Se proporcionalizarmos ao volume poderíamos dizer que nosso antecessor tivera 50 bilhões, correto? Mas é uma afirmação sem base, portanto deixemo-la de lado.

Por algum caminho evolutivo o homem perdeu o que os biólogos chamam de “rete mirabile”. Essa rede é algo que os mamíferos quadrúpedes possuem e que é responsável pela refrigeração do cérebro por circuitos sanguíneos que atravessam o focinho. Um animal em pé absorve 60% menos calor que um animal em 4 patas. O cérebro humano mostra-se extremamente sensível ao calor, podendo ser gravemente danificado por uma insolação ou até uma febre alta e nós não possuímos um sistema de dispersão de calor.

A correlação entre a postura ereta e o aumento do cérebro é corroborada pelas restrições anatômicas de um cérebro maior nos quadrúpedes, o qual mudaria o eixo e o ponto de equilíbrio para manter a cabeça erguida (a não ser que dispensemos a necessidade do crânio).

Não é difícil, a partir dessas informações, inferir que na postura ereta, de posse de um volume maior do cérebro e uma maior refrigeração, os neurônios pudessem se “multiplicar” à vontade. Lembro que a relação entre neurônios e volume cerebral tem base empírica e se mantém, por exemplo, entre nós e os primatas superiores. Ou seja, o cérebro maior proporcionou maior número de neurônios que, conjugado com uma melhor refrigeração pela postura ereta desembocou no “fogo craniano” que nos narra o mito de Prometeu.

Essa maior quantidade disponível e as possibilidades de interação entre os neurônios (sinapses, conexões e mapas mentais) proporcionaram uma gama extensa de respostas adaptativas para nós. Não é por acaso que o se humano foi capaz de adaptar o meio ambiente à sua necessidade e criou a civilização para estabilizar e fixar o ambiente que escolheu reinar absoluto.

Porém... E sempre tem um porém, os biólogos sabem que qualquer isolamento geográfico ou ambiente imóvel por muito tempo, acabam por especializando as criaturas, que sofrem seleção natural contínua e teleonomicamente até se tornarem totalmente dependente do nicho em que estão. A mínima variação ambiental, nesse caso, pode dizimar populações e espécies inteiras.

É, parece-me, o que fizemos com nós mesmos. A civilização fixou o ambiente e nos transformou em seres altamente especializados. Ou seja, sem a civilização muito de nós pereceremos, pois estamos sofrendo variações cumulativas e teleonômicas que prejudicam nossa capacidade de readaptação.

Quando os criacionistas falam de “Complexidade Irredutível” eles não estão errados no efeito. Eles estão equivocados nos fundamentos e nas causas. A CI não é incompatível com a TE, pois é uma conseqüência natural da própria complexidade da evolução. Para isso, vide meus artigos:

Acaso, Aleatoriedade e Propósito > Parte 1 e Parte 2.

Hoje, logo cedo, os bebês perdem neurônios. Mas a que se deve esse fato? Sem cair na lei de uso e desuso lamarckista, podemos afirmar que é a resposta evolutiva para o alto grau de especialização civilizatório exigido deles logo que nasçam? Vide o número de cesarianas hoje. Tudo mudou e está cada vez mais selecionando seres mais especializados e menos adaptáveis a qualquer mudança.

Tudo isso tem resquício no pensamento iluminista de progresso vertical rumo a algum lugar específico. Não há rumo. Somos frutos de contingencias e contingencialmente devamos fazer nosso futuro. Essa especialização e essa febre iluminista de um único caminho nos levará à extinção.

Consciência e Sociedade

A consciência não se amplia de forma inversamente proporcional à quantidade de neurônios. Veja como a TE eliminou qualquer noção progressista ou finalista da mente. Pela TSGN, na verdade, não se amplia, mas sim os grupos de neurônios melhores adaptados para a configuração ambiental vigente dispensa o uso ou o “recrutamento” de diversos outros neurônios, o que faz com que os percamos logo e que a sociedade molde os rearranjos necessários nos recém nascidos.

São dois fatos contíguos, mas não necessariamente correlacionados, ou seja, a perda de neurônios não é causa de uma “melhor” consciência e adaptabilidade do ser humano. Outrossim, é causa da especialização da consciência que a civilização nos requer para que sejamos aceitos como cidadãos ou estejamos socialmente integrados.

negocio-sociedade-criar-ganhar-diheiro Não me parece possível falar em “aumento de conexões”, mas sim de conexões específicas e altamente especializadas que tornam desnecessários milhões de neurônios. A mim, soa-me como perda, e uma perda irreparável que causa, entre outras coisas, nossa extrema dependência da civilização, como se ela fosse algo metafísico e soteriológico.

E é claro que é essa consciência influencia na sobrevivência do organismo. Sem ela, e sem as castrações que sofremos, jamais conseguiríamos viver na civilização. Mas essas castrações não são conscientes. A consciência como epifenômeno atua na justificação e no convencimento deôntico de como devamos ser.

Na maioria das pessoas e em menor ou maior grau em todas, é esse nosso nível de consciência. Na civilização, esse nível se refere ao quanto podemos nos enganar para que nos castremos para viver em sociedade. E se essa castração nos tornar, inconscientemente, especializados e extremamente dependentes, ocorrerá o inverso caso haja mudanças bruscas ou a civilização venha a ruir. Porém a manutenção do estado atual civilizatório está fazendo justamente isso: decretando o fim da civilização.

Aqui cabe a pergunta: quantos de nós estamos conscientes e adaptados para vive fora da civilização? Qual parte da população, no caso da perda repentina dos benesses da civilização, teriam condições de sobreviver sem energia elétrica, computador, barzinho, cigarro, carro, celular etc?

Eu tive um revés em 2008 na bolsa com a crise imobiliária dos EUA e fiquei sabendo que pessoas que perderam menos que eu chegaram a tentar suicídio, tiveram ataques cardíacos ou famílias totalmente destruídas. De alguma forma meus neurônios se reagruparam para eu procurar emprego e continuar sustentando meu nível de vida (que baixou, claro): mas continuo vivo, saudável e dançando nesse mundo maluco RS... Foi-se meu sonho de apenas filosofar com os ganhos do capitalismo que rejeito RS...

Como será que consegui rearranjar meus grupamentos neuronais de forma a produzir respostas e virtualizações de acordo com a realidade que se apresentava a mim? Eu não sei. Possivelmente sou pré-adaptado a isso. Outros não agüentaram o baque. Por mais que aqueles que tentaram suicídio ou sofreram ataques de pânico, depressão e etc pudessem também mudar a forma de pensamento e replanejar suas vidas, simplesmente eles não conseguiram decidir isso de forma autêntica e sucumbiram ao revés.

Existe uma “plasticidade” biológica (princípio da homeorrese) que pode ser aplicada aos arranjos neuronais ou mapas, que talvez expliquem porque certos tipos de indivíduos conseguem mudar seu comportamento e forma de pensar diante de uma realidade contraditória ao passo que outros não conseguem.

Se a TSGN estiver certa temos certo livre arbítrio mesmo a mente sendo epifenomênica.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sou editor do blog Ensaios e Manifestos e de passagem por aqui , gostei do teor dos textos. Gostaria de convidar o autor a conhecer a proposta e o teor do blog , assim como está convidado a nos enviar um texto de tema livre para a postagem , dentro do espírito do Blog de ser um banco de idéias , ensaios e manifestos
www.ensaiosemanifestos.blogspot.com
[ ]s !

João Concliz disse...

Parabéns pelo blog!
Criei o meu há poucos dias e hoje postei um texto relacionado ao assunto. Passe por lá se tiver curiosidade:
www.meiodoredemoinho.blogspot.com

Postar um comentário

Aqui você terá o direito de opinar, comentar, fazer uma crítida, dar uma sugestão ou escrever o que você quiser, desde que mantenha um nível de civilidade e não ofenda ao autor ou a outro comentarista. Os comentários serão respondidos aqui mesmo... Obrigado pela visita...