
Esse ano, dei-me por mim como um ser que viveu à beira da estrada por quase toda minha vida. Desde minha mudança da Vila Guilherme em São Paulo, para uma passagem rápida até os 8 anos na Penha, mudei para Guarulhos e vivi até os 30 anos, quando mudei para o Vale do Paraíba a trabalho. De lá para cá, lá se vão 32 anos vivendo com a Rodovia Presidente Dutra ao meu redor.
Não sei até que ponto a proximidade de uma estrada pode influenciar nosso pensamento, mas agora, estudando academicamente Filosofia, me deparo com uma característica cética e relativista em meu pensamento que me faz buscar essas referências em mim. Sou um filho da Dutra.
É possível vincular nossa forma de pensar às origens que nos forjaram ser o que somos? Meu professor, mestre em Filosofia da PUC, Atanásio (o Grego), diz em suas aulas que um filósofo é o que é graças, sobretudo, de onde ele veio, suas origens, suas raízes. É impossível fugir delas. No entanto, penso aqui comigo, que essas origens extrapolam o contexto sócio-cultural em que nos inserimos, e abarca também um contexto geográfico. Se não for assim, mesmo não tendo sido criado numa família rígida e autoritária, minha formação em colégio de padres (Claretiano de Guarulhos) em plena ditadura e tendo servido o exército, me fariam uma pessoa bem menos eclética do que sou.
Claro que o contato com as idéias socialistas, a religiosidade mais ampla e informal e a liberdade que meus pais sempre me deram para que eu fizesse as escolhas que quisesse para minha vida, quebraram uma escrita forjada pelo meio em que eu vivia. Mas não consigo deixar de considerar a Dutra como fator importante na forma como vejo o mundo hoje. Sem base, é claro, talvez até de forma Ad Hoc, mas isso se constitui um exercício de investigação. Talvez ainda volte a ele futuramente.
Construímos sentido para as coisas. A partir desses sentidos, as coisas adquirem essências, e têm motivos, finalidades, e razões de existirem. Pelo menos para nós. Mas as coisas existem sem sentido até que eles sejam construídos por uma historicidade humana? Cada vez me convenço mais disso, a despeito dos essencialistas maravilhosos que temos na história do pensamento mundial. No entanto, isso não me torna existencialista, pois talvez a construção de sentido possa ter sua gênese em algo já dado pela própria coisa, intuído em nós, no contato com ela.
Claro que o contato com as idéias socialistas, a religiosidade mais ampla e informal e a liberdade que meus pais sempre me deram para que eu fizesse as escolhas que quisesse para minha vida, quebraram uma escrita forjada pelo meio em que eu vivia. Mas não consigo deixar de considerar a Dutra como fator importante na forma como vejo o mundo hoje. Sem base, é claro, talvez até de forma Ad Hoc, mas isso se constitui um exercício de investigação. Talvez ainda volte a ele futuramente.
Construímos sentido para as coisas. A partir desses sentidos, as coisas adquirem essências, e têm motivos, finalidades, e razões de existirem. Pelo menos para nós. Mas as coisas existem sem sentido até que eles sejam construídos por uma historicidade humana? Cada vez me convenço mais disso, a despeito dos essencialistas maravilhosos que temos na história do pensamento mundial. No entanto, isso não me torna existencialista, pois talvez a construção de sentido possa ter sua gênese em algo já dado pela própria coisa, intuído em nós, no contato com ela.

A mudança, o fluir contínuo das coisas, seu ajuste e aparente equilíbrio harmônico dado por uma constante luta de forças antagônicas, parecem fazer parte da nossa realidade, e fica patente e explícito numa vida permeada por uma auto-estrada como pano de fundo de suas relações com o mundo. Mesmo assim, forjados por milênios de ancestralidade, Parmênides e a escola eleata nos remete à necessidade de vermos e insistirmos na fixidez, na integridade das coisas, em seus sentidos dados e prontos num mundo que só serve para que nos encaixemos nele.

Minha moto, a Sophia, conseguiu tornar esses pensamentos, incipientes e até banais de outrora, numa dimensão concreta e palpável dessa tese maluca que defendo aqui. No silêncio do motor em meus ouvidos, vendo e sentindo a estrada ser comida pelos pneus da Sophia, pareceu-me claro o quanto nos escondemos do mundo e das pessoas, (e de nós mesmos) constantemente.
No carro, nos sentimos seguros. Não só em relação a acidentes. Mas em relação às próprias coisas do mundo. O carro é uma extensão do isolamento que nos impomos num mundo cada vez mais individualista e egoísta, onde nos isolamos em nossos prazeres e deixamos tudo lá fora, fora de nós... Nunca olhamos para o motorista do lado, nos embrenhamos em nosso mundinho veicular, esquecendo tudo e todos dentro da concha que nos protege (talvez de nós mesmos).

De carro, paramos nos estacionamentos dos postos, entramos no local, mal olhamos os atendentes e pessoas, comemos e saímos; ensimesmados em nós mesmos. De moto, paramos e pessoas conversam conosco, perguntam coisas, oferecem ajuda, solicitam atenção, interagem... Entramos nos locais embrenhados na vida; na nossa vida e na vida das pessoas... Olhamos nos olhos dos outros, cumprimentamos, acenamos as mãos, cabeças. É fantástico isso...
Chegamos leves. Catárticos. Repletos de realidade transbordando de cada poro. Uma experiência maravilhosa de nos sentirmos não mais isolados, mas num mundo onde existem pessoas que talvez (ensimesmadas nelas mesmas) esperam apenas um aceno, um sorriso, um bom dia que seja...
De moto, parece que o mundo tem jeito e que fazemos parte de algo maior que tem um sentido real, e que vale a pena. De carro, somos apenas um.
3 comentários:
Filho da Dutra...
Já perecebeu que toda estrada nos deixa marcas? Quando viajo é assim... sou marcada, de tal forma que nunca posso retornar a mesma!
Não ando de motocicleta, mas às vezes arrico-me a pegar uma estrada... e, ainda assim, sinto-me marcada!
Essas marcas e impressões me fazem sentir filha do Mundo... Nas estradas perco minha identidade, minha origem e torno-me universal...
Lindo texto! Profundas reflexões! Viva a Sophia! rs...
Entendo perfeitamente o que é isso Aline. Essas marcas... Elas estão em toda parte, mas não são máculas, são marcas... Indeléveis na medida dos sentidos que construímos para elas.
Nos sentirmos universais talvez seja o verdadeiro resgate de nossa identidade. Gosto de me sentir assim. As coisas e pessoas diexam marcas em nós, mesmo que não deixemos marcas nelas (embora tenhamos a mania de exigir reciprocidade em tudo o que damos)...
As viajem mais marcantes são aquelas que fazemos montados em nossos corações... Nessas viagens nem importa tanto o destino e a chegada, mas sim o caminho que percorremos...
Muito obrigado por seu cometário. E viva a Sophia !!!
Cara, já se vão mais de 60 mil km desde que comprei minha lambreta vermelha em fevereiro de 2007. E essa relação com a estrada é como você descreveu. No começo era um meio de transporte barato e ágil. Agora é necessidade de fazer parte de algo maior e que vale a pena. Mostrei o seu blog à minha ex-namorada e ela entendeu como eu me sinto pilotando. Disse que somos muito parecidos, filosoficamente falando. Pois é nos finais de semana, quando vou para a estrada, com a liberdade soprando na viseira do capacete, que vejo sentido nas coisas e percebo essa malha de vida que não resiste a um simples olhar. De moto eu tenho insights nas montanhas de Deus como seu filho batizado no asfalto...
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