sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Religiosidade do Brasileiro e as Eleições

Curioso ver que somente depois da criacionista Marina Silva sair da disputa é que a questão religiosa virou tema político na eleição para presidente no Brasil. Com quase 20 milhões de votos, Marina não apelou para seus correligionários evangélicos em nenhum momento, ao passo que assistimos Serra e Dilma se estapeando e trocando acusações para que não desagrade essa parcela da população.

Em entrevista À BBC Brasil, Marina disse:

Somos um país onde mais de 90% das pessoas creem em Deus, e esse é um dado de realidade que não se pode negar. No entanto, precisamos ter a sabedoria de não importar conflitos religiosos que existem em outros países para o Brasil, onde temos cultura de respeito pela diferença e pela diversidade. Mas o respeito pela diferença e pela diversidade pressupõe o direito daqueles que são evangélicos ou católicos de afirmarem os seus pontos de vista.

marina1Eu gostaria muito de saber o que significa e qual a amplitude desse direito de “afirmarem os seus pontos de vista”. Por acaso, para Marina Silva, se ao meu ponto de vista estiver agregado propagar e disseminar preconceito contra homossexuais e/ou contra outro gênero, então eu tenho direito? Pois é esse o direito que grande parte das denominações cristãs querem ter: o de dizer e instruir a todos que homossexuais vão para o inferno e que, sob os olhos de Deus, amar alguém do mesmo sexo é abominável e torna o cidadão um ser de segunda categoria.

Ela diz que o respeito pela diferença e pela diversidade pressupõe o direito dos religiosos de afirmarem os seus pontos de vista. Claro que sim. Mas pressupõe mais coisas. Antes dessa pressuposição existe uma outra pressuposição: qualquer afirmação daquilo que se pensa não pode cercear o direito do outro em ser o que é, seja diferente da maioria ou não.

Ora, por que essa senhora (que hoje tem um peso considerável nas mãos para apoiar Dilma ou Serra) não pressupõe também esse fato? E por que os covardes Serra e Dilma, ao invés de se estapearem para mendigar voto religioso não usam da coerência que precisamos ter para o próximo governante desse país?

Direito à diferença e à diversidade não significa direito em invadir o direito do diferente e do diverso. Isso é tão óbvio que chega a doer. Impedir alguém de discriminar o diferente, não é cercear o direito à discriminação, mas garantir que o diferente possa ser o que é sem ser tolhido.

Um Estado Laico precisa garantir o direito das pessoas. Os gays não reivindicam o direito de falar mal dos evangélicos, apenas querem o direito de serem quem são sem terem de ser ofendidos e condenados ao inferno por esses “detentores da verdade”. Os evangélicos reivindicam o direito a discriminação e a proferir a condenação de pessoas que são diferentes deles. Ora, quais direitos legítimos aqui estão em jogo?

Não basta para os religiosos que os que crêem não façam aborto ou sejam heterossexuais. Eles precisam legislar sobre a vida daqueles que não comungam com eles das mesmas crenças. Eles precisam controlar e impedir a homossexualidade e o aborto mesmo daqueles que pensam diferente deles. Eles precisam que a sociedade toda pense e acate suas crenças, com pena de ser condenada ao inferno e discriminada como criminosa ou doente.

Quantos crimes e doenças não se proliferou na história da humanidade em busca de uma totalização de comando e crenças?

Para se pensar…

11 comentários:

Paulo Henrique disse...

Oi Gilberto, realmente é para se pensar. Eu tbm escrevi algo sobre a interferência religiosa no primeiro turno.
Sobre o seu texto: Foi a igreja (os religiosos) que entrou na briga, pois no primeiro turno as manifestações religiosas tiveram grande impacto na população, talvez até tenha possibilitado a ida de Serra para o segundo turno, e isso fez com que os partidos mudassem o rumo da campanha.
Infelizmente os candidatos apenas estão reproduzindo o discurso religioso, por este ter um grande peso pra boa parte do eleitorado.
As minorias estão fodidas, além dos gays, é claro. rs
E as religiões ainda afirmam que lutam em defesa da vida, excluindo as minorias... pra puta que as pariu. (Desculpe o palavreado chulo devido à irritação)
Se quiser ver meu texto: http://eucomigomesmoporpaulo.blogspot.com/2010/09/jogo-de-poder-travestido.html
Abraço!

Ideny disse...

Ótimo que tenha escrito sobre este tema. Voce, como uma pessoa conhecida e respeitada, tem toda a possibilidade de junto ao meio em que vive, iniciar esta conscientização, que urge tão necessária. Abç,amigo" Parabens pela iniciativa!

Nine disse...

Oi Gilberto...
Eu não sou o Nine, mas a Nine, e hoje, sem querer achei uma mensagem no orkut que você me enviou em maio, com um link para um artigo seu.
Bem, eu vou comentar o texto acima, que por sinal, está incrível. Essa semana estava discutindo com uns amigos exatamente sobre o que você estava falando acima: até que ponto a religião tem o 'direito' de interferir nas escolhas das pessoas, e até que ponto o Estado 'laico' pode interferir nas Instituições Religiosas para impedir os exageros. Bem, lógico que nós discutíamos formas de controlar a intolerancia, mas adorei ler o seu texto aqui. Tenho uma opnião um tanto conservadora sobre o assunto, já que, mesmo não sendo de uma religião específica, acredito que o estado não pode frear as instituiçãos de seguirem suas doutrinas. Creio que um controle sobre o indivíduo seria uma maneira mais democrática de controlar os exageros. Bem...o espaço aqui é pouco, para debater uma questão dessas...
No mais...Eu estudo Biologia, e acredito na evolução. Não acho mesmo que possa haver algum tipo de Complexidade irredutível, pois se houvesse, toda a teoria que acredito quase que religiosamente, cairia por terra. (ahh...ainda não li seu artigo, assim que lê-lo, poderei discutir alguma coisa contigo)
Um abraço, e parabéns pelo excelente blog.

Leonardo Leite disse...

Falar mal de alguém ou de alguma coisa pode não ser necessariamente calunioso, injurioso ou preconceito. Acredito na liberdade não cerceada da expressão, desde que assumidas as responsabilidades por tal ato. Posso afirmar-me contra o uso de tabaco, bebida alcóolica, maconha, ser contra um time de futebol, uma opção sexual, partido político ou seita religiosa, sem depreciar o ser humano.

Excelente conteúdo, do blog. Parabéns, Miranda!

Abração

Leo

Anônimo disse...

Olá Miranda,

Estou abordando muitos destes temas em meu blog (que acabou de sair do forno). Fiquei feliz de ver você comentar sobre esse assunto e aumentar ainda mais o debate sobre este tipo de influência que está acontecendo com nossa Política. Com sua licença, acabei citando seu texto e indicando seu site, que já acompanho há tempo e foi motivador para que eu pudesse começar a escrever também.

Indico aqui o texto em http://dandi.blogspot.com/2010/10/religiao-e-politica-o-poder-contra.html

Gilberto Miranda Jr. disse...

Prezado Paulo, comentei em seu Blog. Sua análise é bem interessante sobre a religião se conspurcando no poder e para o poder. O pior disso é o poder se deixando contaminar por determinações religiosas. A questão dos direitos civis e da liberdade é uma questão de estado, assim como a questão do aborto, como afirma a Dilma (revertendo seu recuo) é uma questão também de saúde pública.

Uma coisa é ser contra o aborto (posicionamento que também tenho). Mas outra, totalmente diferente, é criminalizar a mulher que em um ato de desespero tem o aborto como única saída. Outra ainda é a qualidade de vida e não a vida por si mesma. Uma criança indesejada e sem condições de subsistência vive em uma situação desumana. A vida não pode ser colocada à frente da humanidade.

É óbvio que a lei de descriminalização pode beneficiar quem é irresponsável e poderá usar o aborto como método contraceptivo, mas e as milhares de mulheres vítimas? São criminosas? É a mesma coisa da bolsa-família. Que tem alguém usando essa grana para pintar o cabelo ou para ter desculpa para não trabalhar, não justifica o fato de uma só vida ser salva nas condições desumanas que vive certas pessoas nos rincões do Brasil.

Tanto a lei quanto os programas sociais devem ser fiscalizados e aplicados para não terem abusos, mas deixar de tê-los é condenar à morte pessoas inocentes. Mas para os religiosos nada disso faz sentido, embora arrotem impávidos uma luta idealista a favor da vida: leia-se “a favor do que eles acreditam ser a vida”.

Gilberto Miranda Jr. disse...

Idma,

Obrigado pelos comentários, querida. Mas não sei se falo com a esperança de conscientizar alguém. Às vezes falo mais por indignação mesmo RS....

Gilberto Miranda Jr. disse...

Nine

Como vai, muita honra tê-la por aqui. Um Estado Laico, a meu ver, garantiria o direito inalienável das pessoas expressarem suas verdades, desde que elas não invadam o direito de outrem existirem da forma como lhes convém sem invadir o direito de ninguém. Essa expressão de “suas verdades” não deveria ser (em uma sociedade democrática) discriminando ou excluindo o outro das benesses que o estado de direito oferece.

A questão religiosa frente ao estado laico não está na questão de cada um professar a sua fé, mas na questão da profissão de fé carregar uma desigualdade de direitos em privilégio de uma visão de mundo específica de um grupo. Você entende essa questão?

Qualquer religião tem todo o direito de ser contra a homossexualidade, mas não pode querer que o estado que representa os fiéis e os homossexuais legisle cerceando os direitos de ninguém para privilegiar o outro.

Não compreendi o que você quis dizer com “controle sobre o indivíduo”. O Estado não controla grupo A ou B, ele estabelece leis por um princípio de isonomia. Por exemplo, se é definido em nossa constituição ou em lei específica que uma união estável entre seres que mantém relação de afeto deva ser tratada da mesma forma legal que um casamento; isso não significa que a instituição do casamento esteja sendo desvirtuada. Significa apenas que estão estendendo o direito civil dado ao casamento para pessoas com união estável e afetiva do mesmo sexo. Por proximidade se chama de casamento, mas não se trata de casamento e nem precisa se tratar de casamento.

E outra, casamento não é algo apenas religioso. É civil também. Que a religião cuide do que é casamento para o religioso dentro de seus preceitos e deixe o estado cuidar do que é casamento civilmente, garantindo a isonomia dos direitos civis. Há uma confusão causada pelo modo de ver absolutista das religiões a qual não faz o menor sentido.

Porém uma coisa alheia ao assunto me chamou a atenção em seu comentário. Você disse: “eu acredito na Evolução”. Penso que você faça menção à Teoria da Evolução, já que é bióloga. Em minha forma de ver Teorias não precisam de crenças para serem válidas. Elas são válidas por suas estruturas lógicas, poder explicativo e por resistirem à critérios bem definidos de falseamento. Não há necessidade alguma de “crer” em Teorias Científicas. Se uma Teoria precisa de crença para ser verdadeira, penso eu, ela tem problemas graves metodológicos.

Quanto à Complexidade Irredutível, mesmo aceitando a validade da Teoria da Evolução é possível considerá-la, sem contudo, ter que virar um “criacionista” RS... Basta perceber que estruturas complexas se adaptam a uma teleonomia da qual em determinado momento não podem mais recuar. Se quiser aprofundar essa discussão será um prazer. Te indico meu post > Acaso e Aleatoriedade I e II nos links abaixo:

http://blog.gilbertomirandajr.com.br/2010/02/acaso-aleatoriedade-e-proposito-parte-1_13.html
http://blog.gilbertomirandajr.com.br/2010/03/acaso-aleatoriedade-e-proposito-parte-2.html

Ou seja, não fique preocupada, a Teoria da Evolução que você tem como certa, não cairá por terra com o conceito de Complexidade Irredutível. Isso é mais um factóide criado pelos criacionistas mal intencionados (nossa que redundante falar em criacionista mal intencionado RS). Factóides bem ao estilo que o Serra anda criando para impor sua candidatura como algo coerente e bom para o Brasil RS.

Muitíssimo obrigado por sua leitura e comentário. Fico realmente muito feliz. Por favor, não perca contato.

Abraços Nine...

Gilberto Miranda Jr. disse...

Leonardo

Perfeita colocação. Ser contra o ato do aborto ou da homoafetividade é uma coisa. Criminalizar quem aborta de forma descontextualizada e generalizada ou considerar quem é homoafetivo um ser de segunda categoria por causa de interpretações absolutizadas das escrituras ditas sagradas é outra coisa totalmente diferente.

Obrigado pelo comentário.

Gilberto Miranda Jr. disse...

Ahh Dandi, que legal o que escreveu em seu blog. Uma frase ficou ressoando em mim: “castração voluntária”. Mas que seja. Por que essas criaturas castram-se voluntariamente e para suportar essa castração precisam que todos também se castrem? Assumam-se em suas verdades e as vivam para si. O mundo não tem obrigação nem necessidade alguma de ser submetido àquilo que eles tomam como “bom”. Mas que coisa mais totalitarista, não é?

Honra-me muito estar entre os motivadores de sua decisão de lançar um blog. É um expurgo, não é? E de quebra estreita laços com quem se identifica conosco. É muito bom...

Grande abraço.

Anônimo disse...

"O mundo não tem obrigação nem necessidade alguma de ser submetido àquilo que eles tomam como “bom”. Mas que coisa mais totalitarista, não é?"

Sim, concordo plenamente! E eu estava continuando essa discussão com um comentário do seu comentário no meu blog (Isso ainda vai nos dar um grande nó na cabeça. Rs) é que o pensamento cristão tende a ser Universal, assim como todos os outros regimes que são excludentes de outras vozes e críticas. Por isso que não sobrevivem em meio tão plural, como nosso mundo contemporâneo. Essa tentativa nas eleições de hoje é um último e desesperado suspiro de influência. O futuro só pode ser concebido com os estados nacionais completamente laicos. Ao menos é uma aposta democrática minha.

Abraço!

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