sexta-feira, 10 de abril de 2009

200 anos Darwin - uma comemoração do mundo (Resposta a Conexões Epistemológicas) I

Eu me comprometi a escrever uma série de artigos em comemoração aos 200 anos de Darwin e aos 150 anos da publicação de a Origem das Espécies, e mesmo já tendo lido o livro de Darwin algumas vezes e discutido por anos sobre sua teoria no Orkut e em diversos ambientes, e passando de um ceticismo não-dogmático a um razoável entendimento de seus postulados, toda vez que me debruço a escrever algumas linhas eu lembro que faço parte do Blogs de Ciência e que, possivelmente, serei lido por cientistas de todas as áreas a procura de uma escorregada não fundamentada em tudo que escrever.

Não penso que isso seja ruim; o rigor quando se fala de ciência é algo desejável, e mesmo em qualquer outra área de conhecimento (inclusive e principalmente em Filosofia que é a minha) algo dito com leviandade pode afundar nossas pretensões acadêmicas de pesquisa ou mesmo a credibilidade que precisamos para ao menos sermos lidos.

Esse Blog, embora honrosamente participe de um agregador de blogs científicos, tem uma pretensão extra-oficial filosófica. Sua idéia original foi servir de parteiro de idéias a serem desenvolvidas por mim posteriormente, como a própria apresentação dele afirma. No entanto, mesmo nas reflexões mais desprendidas que faço, procuro cercar o dito pelo que ele é: ora poesia despretensiosa, ora uma crônica, ora uma opinião sobre um caso notório e ora ainda sobre algum tema do qual tenho estudado e possa refletir a respeito com argumentos que procuro cercar de certo rigor metodológico. É claro que o Bruno, webmaster do Blogs de Ciência, sabe que a Filosofia precedeu e retroalimenta a ciência desde sempre, o que traz essa tolerância bem vida em ter-me lá entre os cientistas blogueiros do site. E que bom, mostra coerência e o espírito gregário e plural de nossos pesquisadores.

Bem, mas a questão é que algo inusitado me tirou do armário e da prudência hesitante para me manifestar sobre esse assunto que queria tanto falar. Eu leio tudo o que posso no Blogs de Ciência e em fontes diversas sobre evolucionismo, me “antenando” nas mais recentes descobertas e, sobretudo, nas opiniões e argumentos que nossos amigos escrevem a respeito do tema. Em minhas pesquisas, me deparei com um artigo agregado ao Blogs de Ciências que me chamou muito a atenção.

Esse artigo é do Blog Conexões Epistemológicas e assinado por alguém que se intitula Almirante. O artigo o qual me refiro é 200 anos de Darwin. Para inglês ver. Ao clicar para lê-lo na íntegra, já que a chamada me soou já estranha no início, vejo do lado esquerdo do Blog um mural de recado com um agradecimento de outro Blog chamado Design Inteligente. Suspeito, inclusive, que até já cheguei a trocar algumas palavras com alguém de nome Almirante em alguma comunidade do Orkut, mas mesmo assim continuo a leitura.


A Argumentação

O artigo começa com um enunciado que seria polêmico se ao menos no restante do artigo houvesse as justificativas e argumentos que demonstrassem sua validade:
“Tais festividades agravam a mácula. Nenhum dos dois foi de fato cientista, muito menos original. Eram empiristas, calcados em dialéticas platônicas, exclusivistas. Ambos se valeram de uma gama de precedentes, meros preconceitos, por isso eivados de metafísicas, de equívocos epistêmicos e metodológicos.”
A mácula a que ele se refere é a frase dita logo acima desse trecho a qual afirma que não seriam poucos os que consideram Newton e Darwin os cientistas britânicos mais importantes de todos os tempos, e depois emenda falando das festividades em torno dos 200 anos de Darwin. Por que seria uma mácula muitos considera-los os maiores cientistas de todos os tempos?

O autor tenta responder essa pergunta subentendida na afirmação inicial e argumentar a favor de seus pensamentos citando Feynman in apud de Gleick no livro A Natureza de um Gênio e depois Karl Popper em A Ciência Normal e seus Perigos.

Curioso é depois de afirmar que essas duas citações já seriam o bastante para afastar Darwin e Newton das crianças, afirmar também que exista um mito em volta de ambos e logo em seguida descartar o próprio argumento na esperança de desenvolver outros que sejam mais pertinentes do que esses.

Bem, ao menos parece que o autor do artigo percebe que os argumentos a que ele recorre na citação de Feynman e Popper de fato são pobres e merecem ser descartados. Só comete o exagero em dizer que eles seriam suficientes para afastar Newton e Darwin das crianças. Eu me coloco a imaginar qual seria a suficiência que essas citações teriam para que Darwin e Newton fossem afastados das crianças? Salvo engano ele fala das festividades que envolvem ampla divulgação entre as escolas e também do ensino de suas teorias na educação infantil. Será?

Até aqui tudo já começa a ficar claro. Associar essa introdução ao elogio rasgado do Design Inteligente parece de fato esclarecer a linha de pensamento a que se destina o Blog em questão. O que me causa espanto é encontra-lo em meio a artigos científicos uma propaganda rasgada e desarticulada de uma pseudo-ciência obscurecida por uma crítica ao “lado oposto”, que por coincidência é a Ciência.


Eu não discordo da crítica à ciência e ao método científico. Os próprios cientistas a fazem e eu, enquanto postulante a filósofo, me julgo legitimado a faze-la naquilo que posso argumentar nas possíveis incoerências que possam ser detectadas. Mas outra coisa, parece-me, é fazer a crítica levantando bandeiras ideológicas ou religiosas as quais querem substituir algo pelo que ele não é e nem tem como ser, por mais fanatismo que se possa alimentar dentro de si. Outra ainda é atacar a suposta vida pessoal do cientista querendo invalidar seu pensamento, que independe dela.

Pela qualidade dos argumentos envolvidos na crítica do artigo mencionado, nota-se que ela tem a intenção obscura de desacreditar nomes importantes do pensamento humano a favor de idéias que não substituem e nem passam perto da verossimilhança que eles imprimiram nas deles.

E por que salta aos olhos essa intenção do autor? Por que é recorrente, quando defendemos uma idéia e não temos uma linha sólida e verossímil de argumentos para defende-la, tentarmos denegrir o pensamento contrário, pegando frases e citações de pessoas que gozam de certa credibilidade para confirmar o que pensamos, mesmo que essas pessoas falem as maiores besteiras imagináveis. A falta de pensamento crítico ao pensamento que parece concordar com o nosso é uma falha lógica da mais alarmante, e basta ser um pouco cauteloso para perceber que o interlocutor dá um tiro no próprio pé ao fazer isso.

Citar Feynman e Popper nos contextos aos quais foram citados, constitui um tiro no próprio pé da argumentação tendenciosa do Sr. Almirante. Primeiro que Feynman não é infalível e não argumentou cientificamente sobre o que estava falando. Ele era físico, e antes de tudo humano, o que não o exime e até o incentiva a também dizer besteiras sobre biologia. Segundo que Popper, depois de tanto criticar a Teoria da Evolução, reconheceu mais tarde que ela se circunscrevia em sua demarcação, pedindo desculpas públicas. Mas não vamos aqui apenas dizer o dito pelo não dito, vamos argumentar a favor do que pensamos.


A Citação de Feynman

Comecemos pela citação de Feynman. Ele afirma que nem a física de Newton nem a biologia de Charles Darwin “disseram muito que possa contribuir para um quadro coerente de nos mesmos dentro do Universo”. E daí? Deixam de ser ciências por isso?

Feynman não seria leviano para dizer algo assim, a despeito do uso descontextualizado que o autor faz dessa frase. A ciência que tanto Newton quanto Darwin fizeram, notadamente reconhecida dentro de seus recortes modulares, não se presta a responder essa pergunta. Só seria cabível cobrar isso de suas teorias se fossem essas as suas pretensões. Feynman dirigia-se, logicamente, a quem quisera extrapolar o escopo epistemológico dessas teorias para respostas as quais elas não foram formuladas para dar. Nesse ponto, mesmo concordando com Feynman, é de um expediente pobre descontextualiza-lo para dar voz a ideologias pseudo-científicas, embora seja típico dos criacionistas.

Logo abaixo, continuando a citação, Feynman diz:

A biologia darwinista, quer em sua versão original bruta é determinista (a sobrevivência do mais forte), quer na versão neodarwinista com ênfase na evolução aleatória tem pouco a nos dizer acerca do porque de estarmos aqui, de como nos relacionamos com o surgimento da realidade material e muito menos a cerca do propósito e significado de qualquer evolução da consciência além da conclusão muito simples e utilitária de que a consciência parece 'conferir alguma vantagem evolutiva'.”

Essa é a demonstração mais cabal de que alguém, mesmo gozando de credibilidade e comparável a um gênio, fora do contexto que domina pode desferir besteiras homéricas quando emite opinião daquilo que pensa conhecer. Primeiro que não há qualquer justificativa que demonstre o que sustenta essas afirmações, nem na própria citação, nem depois por parte do autor que a cita in apud. Logo, são opiniões pessoas que entram na suposta argumentação do autor baseadas numa suposta autoridade do citado. Pura falácia de apelo à autoridade.

Mais uma vez, Feynman parece querer cobrar dos incautos que pensam que uma teoria científica precisasse responder questões morais, que se eles querem respostas, que procurem além das ciências, pois para ela não importa o propósito ou o significado da evolução, importa, na forma como foi feita, em descrever seu mecanismo de atuação.

O que demonstraria determinismo na Teoria da Evolução de Darwin? Talvez a frase extrapolada de sua obra pelos darwinistas sociais, a qual ele nunca disse, sobre a sobrevivência dos mais fortes? Feynman parecia estar mal informado ou dizendo diretamente a quem erroneamente interpreta Darwin dessa forma, mas contudo o autor do artigo o cita nessa gafe apenas por que ele diz algo com que ele concorda.

Um olhar epistemológico sobre a chamada “versão bruta” da Teoria da Evolução de Darwin aponta em direção totalmente contrária ao um determinismo. Curioso notar que o Blog que traz essa pérola chama-se Conexões Epistemológicas, o que quase chega ser hilário. Onde estaria o determinismo num mecanismo que postula a necessidade dialética entre uma condição prévia de variabilidade filogenética numa população e as condições ambientais para garantir a sobrevivência e vantagem competitiva de uma espécie?

Aqui fica claro por que na frase inicial do artigo o autor coloca Darwin como um “empirista calcado em dialética platônica, exclusivista”, seja lá o que isso signifique. Ele confunde a dialética definida por Platão com os conceitos variados de dialética que existiam antes dele e os que foram construídos depois dele. Antes, embora não fosse chamado por esse nome, temos tanto Heráclito quanto os Sofistas delineando idéias de dialética. Depois dele temos tantos outros, já com esse nome mesmo, que mudaram totalmente o sentido platônico de dialética (nem é preciso citar Hegel, Marx e etc.).

A dialética platônica era determinista. Ela pressupunha o diálogo com alguém que já houvesse saído da “Caverna” para conduzir maieuticamente o interlocutor para um determinado fim. Confundir a base epistemológica evolucionista, dialética por excelência, com a dialética platônica determinista, parece-me ser desconhecer ambos ou estar de fato mal intencionado no obscurantismo proposital.

Outro ponto na citação de Feynman é ele afirmar que a suposta versão neodarwinista enfatiza a evolução aleatória. Que versão é essa? É claro que não sou um expert a toda prova, mas desconheço essa tal versão.

Temos dois prismas para analisar essa questão. Primeiro que a palavra acaso e aleatoriedade se assemelham, a meu ver, em suas estruturas conceituais, a palavras como infinito e eterno. São palavras que designam ignorância e não conhecimento. Chamamos de acaso não algo que com certeza e comprovadamente não tem causa, mas sim algo cuja causa não se conseguiu detectar ou determina-la com segurança. Chamamos de infinito algo que não temos capacidade de determinar sua duração ou extensão e não algo que sabemos com segurança que não exista fim. Damos nomes à nossa incapacidade de determinar algo e acreditamos que a ignorância sobre o que ela designa nos revele a verdade. Um pouco de conexão epistemológica nos mostraria isso.

A aleatoriedade não está na evolução. A aleatoriedade está na impossibilidade da época e a atual em determinar se existe um propósito ou um finalismo na variabilidade verificada no pool genético de uma população que disputa um determinado nicho ecológico. A evolução é a relação dialética entre essa variabilidade e as condições do ambiente, que propicia a Seleção Natural das expressões existenciais filogenéticas mais eficazes.

Só seria possível afirmar algum suposto finalismo nessa variabilidade se fosse possível conceber que naquele nicho houvesse uma inteligência metafísica que antevisse as condições ambientais futuras. E se houvesse seria desperdício de tempo e energia criar tanta variabilidade para sobrar poucos. Pois é, Deus parece jogar dados sim, ao contrário do que Einstein dizia.

Em suma, Feynman falou besteira por desconhecimento de uma área que ele não tinha obrigação alguma de saber, embora pudesse ter sido mais prudente e menos leviano, e ainda é citado como autoridade para embasar um argumento mal construído e que não tem sustentação própria. Levando em conta que ele poderia estar direcionando suas palavras a quem pensasse mesmo daquela forma, ao invés de declarar que pensa assim, podemos ainda compreende-lo, coisa que parece mais difícil quando tentamos compreender a argumentação do autor do artigo.


A Citação de Popper

Outro caso é da citação de Popper. Nem entrarei no mérito da retratação que ele fez mais tarde reconhecendo a pertinência e a cientificidade da Teoria da Evolução. A opinião pessoal dele em relação a Darwin ser revolucionário ou não, não faz o menor sentido naquilo que o autor procura argumentar a favor do que pensa.
 
O que teria a ver o fato de Darwin não ter uma postura revolucionária e ter feito uma teoria revolucionária? Esse fato só pode ter a ver com a pretensão posterior do autor em desacreditar a originalidade de Darwin em sua teoria, entrando na polêmica não comprovada de que Darwin teria plagiado Alfred Wallace. Essa é outra questão que merece ser comentada e será, mas a causa aqui é que essa citação em nada reforça as afirmações iniciais que o autor faz.
Dizer tudo isso e depois afirmar que o mito de Darwin continua atraindo os incautos e que empresas ligadas à comemoração dos 200 anos faturam como nunca, acabam por revelar a tônica do artigo; que não tem nada a ver com uma crítica fundamentada em relação às idéias em volta da Teoria da Evolução. Incauto parece ser quem engolir como um artigo sério as numerosas falácias que o autor faz uso nos nove primeiros parágrafos, logo de cara, dizendo aos cautelosos para o que realmente veio.

Parece-me que quem quer criar um mito em volta de Darwin é justamente um movimento fanático e intolerante que não vê meios legítimos de “descomprovar” a Teoria da Evolução e usa dos expedientes mais desonestos possíveis para manchar a imagem do homem que a construiu.

No próximo post continuo o comentário sobre o artigo em questão.

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