sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Haiti : existem coisas que parecem conspirar…

haiti-generation Eu estava ensaiando uma forma de dizer alguma coisa sobre a tragédia que abateu o Haiti. Pensava a respeito, mesmo cheio de coisas para fazer, compromissos, trabalhos, estudos… Mas qual o que? Como pensar em compromissos, trabalhos e estudos diante de algo assombroso e absolutamente trágico desse? Quantas pessoas? Cem mim, centro e cinqüenta mil? Resolvi apenas escrever; refletir enquanto escrevo. Por todos os lados que tento olhar o acontecido, só uma coisa sobrevém: existem coisas que,  simplesmente, acontecem…. E são absurdas.

Fazendo uma pesquisa rápida na internet, encontro no Scielo uma resenha do livro Os Jacobinos Negros chamada O Épico e o Trágico na história do Haiti do historiador Jacob Gorender. No início da resenha Gorender diz:

“NESTE PRECISO momento, em que escrevo a resenha de um livro notável sobre o Haiti, o país caribenho esteve assolado por uma rebelião sangrenta, que obrigou o presidente Jean Bertrand Aristide a abandonar o cargo e se refugiar no exterior. Em dois séculos de história, no entanto, Aristide foi o primeiro governante haitiano a exercer o poder após conquista-lo pela via eleitoral, em 1994.”

O Haiti, de primeiro país latino-americano a conquistar sua independência nacional e ter sido a colônia mais produtiva das Américas, em menos de 150 anos, tornou-se o país mais pobre do continente. Independente do terremoto desse ano, que cai sob a égide, talvez, da maior tragédia natural do milênio, o Haiti era prova viva de que o ideal cubano, ao invés de morrer, poderia apenas ser melhorado rumo a uma possível democracia socialista. Um caso, sem sombra de dúvidas, de um capitalismo que não deu certo.

Historicamente, os dois terços da população negra da ilha sofreram as mais cruéis barbáries, explorações e abusos que se tem notícia, muitos, senão a maioria, semelhantes ao regime escravocrata brasileiro. Quando se viram livres e independentes, optaram a voltar a uma cultura de subsistência e a não ingressar na competitividade mundial, apesar de serem grandes produtores de açúcar.

Mesmo épica, com os levantes heróicos contra a colonização e, posteriormente, com a declaração definitiva da independência (vencendo franceses, ingleses e espanhóis) a história do Haiti se confunde com a impulsividade e a “circunstancialidade” de quem apenas quer um lugar para encostar e ficar quietinho; vivendo em paz e da maneira que melhor lhe aprouver. Não querem ser ricos, não querem competir, querem apenas subsistir e continuar subsistindo. A cada líder, seduzido pelos acenos internacionais que querem alguma vantagem posterior, o povo imiscui-se de sua responsabilidade por si próprio e deposita suas esperanças de forma messiânica. E toma…

Algo que incomoda nisso é por que cargas d’água o mundo precisa que todos lutem, compitam, produzam, trabalhem e vivam em um padrão globalizado para fazer parte da história? Por que um país, uma pessoa, alguém que seja, não pode agir de acordo com sua singularidade sem ser julgado ou sem tentarem usurpar dele aquilo que julgam que lhe falta e o torna um Outro?

Talvez isso explique a parca ajuda internacional diante da tragédia atual no Haiti, a tutela internacional pela ONU e o interesse apenas em certos líderes e não no povo que constitui aquela nação. Não se poderia esperar muito se, dentro dos EUA, por ocasião do Katrina, Bush demorou uma eternidade para fazer alguma coisa. Talvez, inseridos competitivamente no mercado mundial, ou donos de uma reserva espetacular de petróleo, os haitianos estivessem sendo assistidos como merecem quaisquer seres humanos, e não apenas sendo limpos da rua em valas comum. Onde está a “paz” pela qual Obama foi agraciado através do Nobel? Paz não é só lutar contra guerra, mas minimizar sofrimento.

O Castigo…

O pecado parece ter sido desdenhar a metafísica capitalista. Não bastasse o desemprego crônico, a extrema pobreza, a fome e o descaso internacional recorrente, o país é acometido pelo pior terremoto dos últimos 200 anos. Em 2008, pelo menos quatro furacões trouxeram uma resposta vagarosa de ajuda comunitária internacional.

As crises políticas, pelo interesse econômico que suscitam, trazem respostas mais rápidas e “eficientes”, mesmo que nada eficazes aos próprios haitianos.

O furacão, com certeza, não é um castigo. Mas a dependência histórica internacional e de líderes absolutos, fazem do Haiti refém de qualquer catástrofe, seja do desabamento de uma escola mal construída matando mais de 100 crianças (como em 2008 – sem furacão, sem terremoto, sem guerra nem nada) ou um furacão das dimensões que vimos.

Castigo? Um castigo para a humanidade… Uma humanidade que olha a si mesma e não percebe que estão sob a égide de olhar-se como meio, instrumento, e não como fim em si mesma.

 

Referências:

Gorender, J. (2004). O épico e o trágico na história do Haiti Estudos Avançados, 18 (50) DOI: 10.1590/S0103-40142004000100025

Para ler:

Blog de Aloísio Milani sobre o Haiti > http://aluisiomilani.wordpress.com

7 comentários:

Alexandre disse...

Bem, cito Jonh Gray "Os projetos políticos do século XX falharam ou ficaram muito aquém do que haviam prometido. Ao mesmo tempo, o progresso da ciência é uma experiência diária, confirmada a cada vez que compramos um novo aparelho eletrônico ou usamos um novo medicamento. A ciência nos dá um senso de progresso que a vida ética e a vida política não podem dar." e ele cita Lao-Tsé: "Céu e terra não têm atributos e não estabelecem diferenças:tratam as miríades de criaturas como cachorros de palha.", então
toda esta ordem numa situação limite, onde não se possa controlar o ânimo social, foge ao controle, e passamos a agir em ordas e gangues.
Mas... Não seria assim o natural?

Gilberto Miranda Jr. disse...

Grande amigo Alexandre, obrigado por seu comentário. Bem, projetos, em geral, trazem esse problema. São conceitos prontos, que trazem em seu bojo alguma efetividade histórica, mas que se generalizam desprezando as singularidades. O que funciona para um, não funciona nem em África nem no Haiti, pelo jeito...

John Gray é implacável. Tenho o livro dele Cachorros de Palha. Mas será que somos mesmo essa "erva daninha" no planeta ou dá para conciliar?

ABraços....

Daniel Alabarce disse...

putz, gilberto! Eu nunca me aprofundei para saber sobre a história do Haiti (um erro meu, vejo), sabendo disso agora... Caramba! Agora se faz maior o monstro, o cadáver-rei. Quer dizer, então, que se um país decide não dar uma "mãozinha" pra Grande Roda, o que recebem de ajuda é uma "mãozinha"? Lamentável mesmo! Pena que esta seja realmente uma tragédia... daquelas que não se consegue mudar! (...) Ou será que conseguiremos um dia?
Lutarei até o dia de minha morte por isso!

Alexandre disse...

Pois é, Mir, mas é deste contrato social que falo, da pseudo tranquilidade que um projeto ou sentido dá, junto a isto o compromisso, pessoal, político e econômico que um estado, basedo neste contrato, exige. Deleuze fala dos estados rouge, Harbemas da sociedade civil, e ainda é tudo metáforas móveis. A ordem mundial e sua economia, a matadora do assassino de deus.

E sobre a sua pergunta, Hobbes já respondeu. Mas não é o ser primitivo, é que o verdadeiro ser só hiberna na civilização.

Gilberto Miranda Jr. disse...

Dani: Essa luta é conjunta, Dani... É nossa...

Alexandre: Essa irresponsabilização nossa e dos homens em geral a favor de um Estado messiânico, parece-me ser o grande arcabouço genético da barbárie quando o Estado está falido...

Luiz Oak disse...

Como disse em meu post - com menos dados históricos - não dá pra conceber somente essa ajuda de "resgate" sem uma espécie de lobby internacional para ensinar e implementar uma democracia efetiva naquele país. Se estancarem esses "rubras cascatas que jorram das costas" deste povo e não os ensinarem a criar uma identidade nacional em breve esse número de 100 a 200 mil mortos será repetido. Não em uma tarde gerando comoção mundial, mas em 2 meses, 3... como sempre foi. Seja matando de fome, doenças ou alvos de guerrilhas. É digno de choro, cara... choro pela humanidade, choro pela semântica da palavra humanidade.

Carlos Pires disse...

"Se ao menos o meu coração fosse de pedra." Cormac Mccarthy, 'A estrada'

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