sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Carlos e As Mulheres

mulheres-1 Essa é uma história de desejos... Ou estória, como diria Guimarães Rosa. Desejos masculinos, bidimensionais, óbvios e prosaicos, como diriam as mulheres. Carlos era assim, como todos nós homens; óbvio e prosaico, bidimensional e masculino. Quando conhecia mulher logo a imaginava nua, reluzindo corpo numa penumbra de alcova qualquer, mostrando e escondendo desejos, deixando-o que adivinhasse o que queria, seus baratos e afins, o que a fazia sentir-se mulher. Para ele, talvez nem importasse o quanto fosse bonita ou feia, gorda, magra, dentuça ou sorriso de sol poente... Para Carlos, o importante era a "mulher" na concepção mais pura da palavra, com seus jogos, esgueirando-se em felinos olhares de musa...

Mas não pensem que Carlos era um pervertido, devasso, promíscuo ou coisa que o valha. Simplesmente nele, clamava o desejo de forma sobre-humana, ou infra-humana (?), pulsando em cada poro a possibilidade de poder deliciar-se com a natureza feminina, qual Édipo, druida da Lua, Deusa-Mãe dos oprimidos...

Seu prazer passava à largo do próprio orgasmo; sua sina, qual Arjuna em Kuruksetra, resumia-se na satisfação plena das mulheres, como dever inerente à perfeição. E não havia vaidade própria dos "Dom Juans", que viam no prazer feminino a confirmação de pretensiosa arrogância, convencidos de que fossem ótimos, perfeitos. Carlos não, simplesmente seu prazer estava no espetáculo de poder presenciar uma mulher feliz, satisfeita, plena, além de orgasmos, para ver-se como verdadeira mulher, ápice da evolução... Qualquer que fosse a mulher, quando sentia-se assim; plena, mulher, seria capaz de tudo, o mundo prostrar-se-ia aos seus pés femininos, últimos como espécie a pisar na face da Mãe-Terra, reduto de tentativas e erros da vida maior, geodésicos no caminho mais curto a qualquer ponto imaginável. No fundo, e analisando Carlos e sua vida sem preconceitos, talvez ele fosse um grande feminista, isso sim...

Seu prazer no prazer feminino, talvez delineou-se ainda em tenra idade, forjado na convivência entre tias, primas, irmãs e mãe. Sua mãe, costureira nos tempos de vacas magras, pai sumido, recheava a casa de retalhos, moldes, tecidos e mulheres; ávidas emergentes que a todo instante careciam de indumentária extra para suas festas de sociedade. Carlos cresceu em meio a provas de vestidos, corpetes, calcinhas e seios apontando para ele, fazendo biquinho, pedindo beijos... As mulheres não se incomodavam com ele, no máximo apertavam-lhe as bochechas rosadas ao chegarem e logo engalfinhavam-se entre revistas e tecidos, na paciência tibetana de sua mãe. Frente aos pedidos maternos de brincar lá fora, insistiam todas que não havia problema algum, que era pequeno, que o deixasse ficar... Ele, sabedor da pouca importância de sua presença em meio às necessárias tarefas de sua mãe, apressava-se a mexer nos caminhõezinhos e bonecos de sua caixa de brinquedo, povoando seu imaginário de curvas, seios e ancas, celulites, estrias e carnes expostas, retalhos e desejos...

Percebia ali, o quão importante era a mulher sentir-se bela, capaz de despertar a atenção dos homens e de outras mulheres até, e do prazer que detinham quando convencidas disso. Mais tarde, passado anos, chegou a compreender a inerência da vaidade na natureza feminina, porém deu-se conta do mero pretexto que isso representava, que mulher, para ser mulher mesmo, precisava estar imantada, atrair, sentir-se atraente ! E era isso que procurava nas mulheres, aquele "quê" de ímã todo próprio e só dela, que cada mulher tinha, não importasse qual; força magnética que muitas nem sabiam possuir, mas a qual Carlos conseguia delinear e perceber com precisão inigualável. Estes anos de observação passiva e contemplativa, forjara em Carlos, na força do martelo de Mercúrio, uma profunda emoção pelas mulheres. Sabia-se, como homem, mero complemento da grandiosidade feminina, em meio a mitos, tabus e fantasias, mentiras e meias verdades, que Carlos desfarelava a cada toque, olhar ou palavras dirigidas a elas.

Nós, ali do bairro, ficávamos horas ouvindo Carlos divagar sobre a natureza feminina, não como quem pretendesse saber tudo, mas como um humilde observador dos mistérios insondáveis do ser mulher. Ouvíamos atentos. Quem saberia se um dia poderíamos utilizar algo do que nos contava ? Mas como ele mesmo dizia; - "Sem compartilhar com as mulheres esse mistério, sem ama-las incondicionalmente, sem viver a fundo a satisfação e beleza do desejo de ver uma mulher, plena, mulher mesmo, toda assentada nela própria, mesmo que não se entenda, mas que viva, jamais conseguiremos tal êxtase".

E com isso acompanhávamos Carlos, repleto de mulheres em sua volta, requisitando-o em casa, aprendendo com ele e ensinando-o, sentindo e vivendo, transformando-se em mulheres mesmo, ou pelo menos lembrando e pulsando em si o que a Natureza, Deus, evolução, já as tivesse dotado desde tempos imemoriais. E assim ia Carlos, masculino, prosaico e bidimensional como todos nós homens, porém apreciador, ou antes disso, desejoso dentro de si, intermitentemente, de proporcionar um dos maiores espetáculos do mundo: a felicidade da mulher, satisfação feminina.

Essa é uma história/estória sobre desejos... Desejos que todos nós homens, a exemplo de Carlos, ou a despeito dele (especial que é), devemos cultivar lá dentro, naquele cantinho escondido além da bidimensionalidade, do prosaísmo masculino. É isso.



Gilberto Miranda Júnior
17-20/02/1999.

1 comentários:

Anonymous disse...

Linda ODE a nós mulheres, obrigada, Mir.

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