sexta-feira, 10 de abril de 2009

200 anos Darwin - uma comemoração do mundo (Resposta a Conexões Epistemológicas) II

Os argumentos sobre o caráter de Darwin

O restante do artigo, ideológico, anti-científico, tendencioso e repleto de falácias segue para os incautos (e digo isso me incluindo como incauto entre os amigos do Blogs de Ciência, já que o referido artigo é de 7 de fevereiro de 2009 e ninguém viu) a tentar denegrir uma Teoria Científica sem sequer tocar em seus postulados básicos, apenas tentando falar mal da pessoa Darwin naquilo que não tem a ver com o que ele legou à humanidade.

Dizer que Darwin, ao dizer em sua autobiografia que gostava de inventar histórias falsas para causar admiração, gostava de trapaça e se transformou num falsário como adulto é de uma leviandade ímpar. Isso pode significar que Hitler foi um exemplar de verdade quando adulto por ter sido uma criança disciplinada, de alma artística e defensor de suas idéias desde cedo. Em suma, o autor assume seu lado determinista, aceitando acusar seus desafetos da mesma coisa que pratica, quando aponta através da citação de Feynman que a TE seria determinista. Está óbvio que se trata de mais uma falácia.

A insistência em tentar delinear a personalidade de Darwin a partir de recortes descontextualizados apenas confirma o expediente falacioso dos primeiros parágrafos, e não se poupam adjetivos (como “Darwin era copiador compulsivo, ´contumaz colador´, como se diz no primário”) que não tenha ressonância em qualquer conseqüência necessária ou suficiente do que foi dito.

Em mais uma falácia para reforçar a idéia de falsário que quer passar de Darwin, ele tenta confundir o leitor (sendo ele mesmo confuso e contraditório) citando Bacon em uma frase própria, e depois Darwin se referindo a ele:

Um predecessor, o filósofo carrasco da natureza Bacon já sentenciara - a variedade dos indivíduos seria produto de obstáculos e desvios promovidos pela natureza. O Rei dos Macacos colheu o ensejo, e lascou: “Trabalhei sobre verdadeiros princípios baconianos e, sem nenhuma teoria, comecei a registrar dados em grandes quantidades.”

Outro tiro no próprio pé. Darwin cita Bacon dizendo que estava trabalhando sobre verdadeiros princípios baconianos, pois não abriu mão do observável, do empírico, em nenhum momento. No entanto, Darwin, quando construiu sua teoria concluiu exatamente o contrário do que Bacon disse quando afirmou que a variedade dos indivíduos seria desvios promovidos pela natureza. Darwin concluiu por observação que a variedade era pressuposto da mudança da natureza e que essa mudança privilegia aqueles indivíduos já modificados naquilo que eles oferecem de vantajoso para sua sobrevivência em concorrência com outros. Darwin, porém, prudentemente, nunca descartou a possibilidade e realidade do ambiente também promover mudanças passíveis de hereditariedade, como veremos mais adiante.

Como o autor pode ter usado algo contrário ao que pensa tentando atribuir plágio a Darwin quando ele conclui exatamente o oposto de quem o autor o acusa de ter copiado? Resposta: falácia para incautos. Incauto pelo jeito é o próprio autor, que não entende o que lê e no afã de justificar o que pensa acaba pegando até exemplos contrários daquilo que defende imaginando que está confirmando suas idéias.

Por fim, depois de tentar ligar Darwin às idéias de Lamarck, Malthus e à influência de seu avô Erasmo, fatos históricos que não são negados pelas pesquisas sérias, o autor chega à conclusão de que Darwin não poderia ter elaborado à Teoria da Evolução e acusa-o de plagiar Wallace que havia chegado às mesmas conclusões de maneira independente e também por observação minuciosa.


A questão Darwin-Wallace

A leviandade nesse ponto chega ao cume ao se fazer alusão a um episódio polêmico que não se justifica pela argumentação apresentada. O episódio Darwin-Wallace é repleto de conjecturas que colocam em dúvida a maneira amistosa, branda e respeitosa que dois naturalistas se trataram apesar de ambos terem chegado às mesmas conclusões científicas.

A verdade, nesse caso, parece querer ser determinada pela vontade pessoal de quem emite opinião acerca do episódio. Muitas opiniões têm como base o caso Newton-Leibniz, cuja descoberta simultânea e independente do cálculo trouxe rusgas públicas, troca de acusações e animosidade entre ambos e seus seguidores. Isso talvez cause maior identidade nas pessoas; cientes de que a vaidade humana é forte e dominante. No caso de Wallace e Darwin nunca houve notícia de que tiveram qualquer desentendimento, inclusive trocando elogios e reconhecimento mútuo em público e em cartas.

Embora o autor do artigo enfatize como negativa a influência que a leitura de Malthus teria exercido sobre Darwin, esquece-se que Wallace também o teria lido e se influenciado por ele. A leitura dos diários de Darwin desde sua viagem no Beagle mostra que a idéia da Seleção Natural já era fato em sua mente, coisa que também o autor do artigo esquece ou escamoteia da informação que pensa estar passando com isenção, ou quer que acreditemos que esteja.

Extrair e descontextualizar fatos para manipula-los a favor de ideologias é uma das piores pragas a favor do obscurantismo. Darwin relutou por mais de 10 anos para publicar sua teoria; envolto em dilemas que não só tinham a ver com o impacto numa sociedade a qual era membro emérito; tradicional e rígida, como também em seu próprio relacionamento familiar, cuja formação foi toda voltada a assumir um cargo religioso, e seu casamento com uma religiosa fervorosa que acreditava na Bíblia de forma literal. Darwin viajou lamarckista e por assumir uma postura baconiana foi mudando de idéia de acordo com aquilo que seus minuciosos olhos puderam observar.

Se formos levar em conta a tendenciosa linha de raciocínio do autor do artigo, deveríamos considerar Wallace muito menos apto do que Darwin a chegar à conclusão que chegou, já que ele era conhecido também por seus arroubos místicos de pesquisas em ciências ocultas. Se as credenciais de Darwin não o legitimiza a mudar de idéia a partir de suas observações para formular a Seleção Natural, muito menos as de Wallace.

É claro que não nos soa justo Alfred Wallace hoje ser apenas uma nota de rodapé na história da ciência, embora haja muitos trabalhos tentando resgata-lo em seu mérito inquestionável, o qual Darwin nunca se opôs. Mas a devida contextualização da história toda ao menos nos impede de julgar Darwin de forma determinista e condenatória como o autor do artigo faz.

É fato, comprovado em seus diários, que antes de trocar correspondência com Wallace, Darwin já esboçava o que seria a teoria da Seleção Natural. Por uma série de motivos ligados aos dilemas que viva havia decidido não publicar nada ainda, e foi motivado pela carta que recebeu de Wallace a divulgar seus pensamentos. Teve a hombridade de apresentar, mesmo sem a presença de Wallace, ambas as teorias na Sociedade Científica de Londres. Instala-se aí outro dilema em Darwin: em mérito Wallace teria a primazia de ter escrito publicamente primeiro suas idéias, pois tornou conhecida para além dele através da carta que enviou a Darwin, e em direito, quando Wallace era apenas um adolescente fanfarrão, Darwin já tinha essas idéias formuladas e aguardando o momento correto de divulga-las.

A história encarregou de privilegiar o mais abastado e presente na sociedade como quase o único representante da teoria, mas Darwin jamais fez qualquer esforço para que Wallace fosse esquecido, fazendo questão de conseguir cargos para ele com salários que pudessem sustenta-lo condignamente. Os interesses de Wallace eram outros, e jamais poupou elogios a Darwin e ter com ele relações amistosas. Darwin, no entanto, provavelmente sabia que ele poderia reivindicar a primazia a qualquer instante. Se ele o tratou bem por causa disso ou se ambos de fato mantiveram um contato amistoso e respeitoso de forma natural, apenas conjecturas poderiam responder e seriam respostas ao sabor daquilo que queremos que seja verdade e não a favor da verdade mesmo, se é que ela exista.

Esses são os fatos, o que nada impede, infelizmente, de serem distorcidos pela leviandade. E a leviandade chega ao cúmulo de continuar o referido artigo tentando desfilar uma lista de inabilidades de Darwin querendo provar não se sabe o quê.


Desconhecimento da Teoria da Evolução

Por fim, por citações que não contradizem o que Darwin disse, o autor do artigo demonstra não só sua ineficiência argumentativa, mas desconhecimento cabal da obra cujo autor quer denegrir através de falácias recorrentes. É citada a atual controvérsia sobre definição de genes cuja idéia ou realidade nem passava pela cabeça de Darwin. No entanto, no Capítulo V (Leis da Variação) de A Origem das Espécies, por mais sedutor que parecesse a idéia de que a variabilidade ocorresse de forma aleatória, Darwin prudentemente deixa em aberto a real possibilidade de parte dela ser afetada pelo ambiente causando hereditariedade, dando numerosos exemplos entre o que observou. Logo, o que hoje a genética está comprovando como possível, ao contrário do que se acreditava antes, Darwin já havia deixado em aberto em suas observações. Inclusive no Capítulo II ele cita e dá méritos a várias observações de Wallace na Malásia que corroboram com essas afirmações.

Darwin começa o Capitulo V falando sobre nosso erro em admitir que seja ao acaso a variação verificada nas espécies. Ele questiona também, com extrema propriedade, até os critérios de classificação da época do que seria uma espécie, considerado como arbitrário. Assim como disse no início desse artigo, "acaso" significa também para Darwin, apenas um nome dado à nossa ignorância sobre a causa de um fenômeno.

Portanto, Darwin tem a prudência, o bom senso e a firme voluntariedade de não cometer imposturas e leviandades ao não afirmar categoricamente que as variações verificadas dentro de uma determinada espécie não sofram influências do ambiente. Ele admite que existam casos cujo ambiente promova uma variação na espécie passível de hereditariedade e admite também que essa variação aconteça sem ligação direta com as condições ambientais, apresentando-se de forma aleatória. Lembro que “aleatório” é o nome dado à situação de não termos condições de detectar ou determinar uma causa suficiente e necessária para um evento.

Nota-se que não é difícil perceber que quando não conhecemos a obra de quem queremos contestar, corremos o risco de argumentar contra suas idéias por coisas que ela mesma disse e concorda, nos expondo ao ridículo e nos auto-sabotando em nossa credibilidade.


Mais retórica para inglês ver

Já no final do referido artigo, o autor continua sua retórica adjetivada com alusão a falsidades, ludíbrios e uma mágoa intensa contra as festividades em torno do nome de Charles Darwin, citando quatro frases que, tirando a tosca comparação entre Einstein e símios feita por Trattner, em nada dizem qualquer linha contra a Teoria da Evolução de Darwin. Essas citações, porém, levando em consideração toda a retórica falaciosa anterior, dá a impressão contextualizada que reforçam as idéias do autor.

Para terminar, ainda podemos ser levados a links onde estão outros posts com o mesmo teor falacioso e tendencioso que perdem a oportunidade de não expor ao ridículo uma linha argumentativa que demonstra cabalmente as intenções do autor. Curiosamente um autor que não se revela e se esconde sob o pseudônimo de Almirante. Por certo de uma nau furada no obscurantismo do dogmatismo religioso travestido de pseudo-ciência.

Lamentável é perceber que existe uma cruzada violenta contra algo que se demonstra repleto de ignorância daquilo que se pretende atacar. Fico a imaginar se esse tipo de coisa acontece por inocência, fanatismo ou má intencionalidade, ou até um misto dos três promovido pela promiscuidade do obscurantismo.

2 comentários:

Gilberto Miranda Jr. disse...

Malgrado minha insignificância pessoal, seria pedir demais que o senhor advogado pudesse estabelecer a ligação entre o que escrevi sobre seu artigo e suas idéias e a tipificação dos crimes dos quais me acusa?

Malgrado minha insignificância pessoal, entendo que calúnia se tipifica por uma acusação falsa de crime a alguém, fato que parece ser o senhor quem faz no comentário acima.

Malgrado minha insignificância pessoal, entendo também que difamação se refira à conduta de difamar alguém através de boatos, o que não é caracterizado pelo texto que publiquei.

Malgrado minha insignificância pessoal, todo o meu texto fala sobre sua argumentação e não sobre sua pessoa ou seu caráter pessoal, fazendo apenas conjecturas sobre suas intenções ao escrevê-lo, sem afirmações.

Malgrado minha insignificância pessoal, não há consubstancialização para me classificar como agente de Dano Moral e/ou Material, não só por que não houve calúnia e difamação à sua pessoa, como também não houve ou haverá qualquer dano patrimonial em emitir meu parecer sobre uma opinião mal argumentada e repleta de falácias em um local de acesso público, ainda mais me dando ao trabalho de demonstrá-las.

Malgrado minha insignificância pessoal, se precisar posso lhe fornecer o telefone de minha advogada para que possam conversar, pois meu interesse é por suas idéias e não por sua titulação ou em receber ameaças inóquas.

E por fim, malgrado minha insignificância pessoal, não pleiteio sua atenção, mas confesso que seu artigo me chamou a atenção pelos pontos que levanto em minha resposta. Resposta esta não dada ao senhor e sim a uma linha de pensamento que o senhor parece abraçar da qual eu não concordo e tenho o direito de me manifestar contra, assim como me manifesto contra seu parecer ofensivo, flagrantemente pessoal, grosseiro e desrespeitoso para com alguém falecido que não tem condições de se defender do que o senhor o acusa levianamente.

Uma feliz Páscoa.

Anonymous disse...

Hahaha!! Inobstante a crônica e metafórica acefalia que impetra o desepero lógico em certos criacionistas forçando-os à atacar o caráter e não as idéias de certos pensadores, como já muito bem revelado por Aristóteles na sua lógica discursiva (o famigerado ad hominem) demonstrando ainda a incapacidade retórica destes mesmos certos, temos ainda de presenciar ameaças jurídicas por alguém não coadunar com essa ignorância e intolerância explícita àqueles que não engolem por goela abaixo uma teoria tão estapafúrdia como o criacionismo. Bem, como o natal está chegando, só nos resta tolerar... e rir.

risos

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